quinta-feira, 22 de julho de 2010

Voltando à lógica

  Houve uma discussão bastante interessante sobre Lógica, aqui no blog, com o amigo Existenz. Ele, brilhantemente, como sempre, defendeu um ponto de vista diferente do meu quanto ao pertencimento, ou não, da causalidade nas relações lógicas. Eu defendi que a causalidade não pertencia à Lógica e ele indicou, pretendendo uma ideia lato sensu de Lógica, que havia, sim, essa relação. Talvez, como ele colocou, eu estivesse muito preso à Lógica Clássica, apenas. Ele ponderava sobre uma maior radicalidade na percepção de mundo do ser humano, vendo aí uma utilização da racionalidade... ou, talvez, da própria lógica, em sentido mais amplo, o que permitiria dizer que, nessa perspectiva, a causalidade pertencia ao campo lógico.
  Acabamos, naquele momento, não nos estendendo mais sobre o assunto, após a competente argumentação do amigo. De qualquer forma, acho que ele acabou por fundamentar seu ponto de vista tomando a direção errada. Acertadamente, afirmou que existem diversos tipos de Lógica. Entretanto, o que ele queria reforçar, como eu já disse acima, era essa experiência mais "fundamental" - no sentido de "primeira" - do homem com o mundo, segundo um aspecto pré-científico... talvez, pré-racional, mas citou Lógicas que caminham num sentido contrário, sendo, por vezes, até menos intuitivas que a Lógica Clássica.
  Sem querer voltar especificamente a esse ponto, gostaria de citar, com algumas alterações, um exemplo interessante do livro de Introdução à Lógica, do César Mortari.
  Lá vai...
  Uma questão interessante diz respeito à correspondência (ou não) do sentido "lógico" da conjunção e do "e", em Português. Considere a sentença: "João pulou do edifício e morreu". Estamos afirmando duas proposições básicas: "João pulou do edifício" e "João morreu". Em termos estritamente lógicos, se A ^ B é verdadeiro, B ^ A também é. Desta forma, "João morreu e pulou do edifício" é tão verdade quanto "João pulou do edifício e morreu". A "tradução" da ideia da conjunção seria a de que "tanto é verdade que João morreu, quanto que pulou do edifício". Mas a interpretação usual é que há uma conexão temporal entra as proposições atômicas originais, o que nos leva a deduzir uma relação de causalidade entre "João pulou do edifício" e "João morreu".
  Foi no sentido posto pela problemática acima que eu afirmei que a causalidade não pertence à Lógica. Ainda que estejamos - conforme concordei com Existenz - tratando de Lógica Clássica, não há como negar que essa relação causal que pertence ao mundo empírico não parece, intuitivamente, ser facilmente transposta para o mundo lógico, mesmo que este esteja sendo considerado de modo bastante fundamental e primeiro, conforme o desejou mostrar o amigo Existenz.
 

5 comentários:

Anônimo disse...

Olá Ricardo. Você colocou uma questão interessante quando citou a frase "João pulou do edifício e morreu", pois agora não estamos mais falando de uma ciência Lógica pura, ou mesmo de uma lógica “pré-científica”, mas do uso que fazemos das palavras com vista a comunicar algo à outro indivíduo. Assim, nesse caso, há um hiato interpretativo entre o que quis passar o emissor e o que poderia ser entendido por um receptor da mensagem comunicada. As palavras querem nos mostrar algo do mundo, mas sempre fazem isso a sua maneira, e por isso a ambigüidade da frase "João pulou do edifício e morreu". Será que João morreu por que pulou do edifício, ou ele pulou do edifício sim, mas morreu mesmo foi de outra maneira? Mas, note que se eu tivesse presenciando o evento no qual se deu a morte de João não haveria ambigüidade nenhuma, pois eu estava lá pra ver o transcorrer dos acontecimentos que levaram a sua morte (pelo menos se pressuponho que tivesse prestando atenção no João no momento em que ele morreu). E se alguém, num momento futuro, me dissesse "João pulou do edifício e morreu" eu não só entenderia corretamente o que ele está dizendo, e isso quer dizer sem haver ambigüidade no passagem da mensagem, como acharia até a informação redundante, pois eu já sabia do acontecido.

Isto posto, a questão aí é mais linguístico-interpretativa, mesmo que ainda pressuponha a lógica conjuntista-identitária do qual aludi. Nesse sentido, precisaria dessa lógica conjuntista-identitária, de alguma forma, tanto para enxergar a morte de João como sendo a morte do João no momento em que ele ocorre na percepção, quanto para, em outro ocasião, comunicar essa morte enxergada por meio da linguagem falada. Entramos aí, portanto, em uma questão ainda mais ampla e originária.

Agora, tentando resolver um mal entendido: a causalidade como significação puro e simples, como falei anteriormente, não é campo da lógica, mas da ontologia. O que poderia dizer respeito à lógica é o quanto essa tal significação se insere na organização, na sistematização, na delimitação de outras significações específicas (como “morte de João” e “João cair do telhado”). Retirando a questão lingüística nesse caso e se prendendo à identidade puro e simples dessas significações, acho que podemos dizer que elas foram ordenadas, organizadas, delimitadas conforme o modo de ser da significação ‘causalidade’, e por isso a causalidade estaria a serviço de algum tipo de lógica conjuntista-identitária (ou seja, de alguma forma de elaboração do tipo: ‘distinguir-escolher-estabelecer-juntar-contar’), pois só assim posso compreender a relação entre essas duas significações, e daí fechar-lhes uma identidade.

Um abraço.

Ricardo disse...

Querido amigo Existenz:
Penso que, desta vez, você não entendeu bem o meu ponto de vista, ao contrário da ocasião passada, em que, apesar da nossa discordância, você usou uma argumentação mais "poderosa".
O problema da frase usada como, em hipótese alguma, é meramente linguística... a não ser que problematizemos a linguagem em si mesma, como instrumento impossível de passar qualquer mensagem da realidade observada. Esse seria um assunto para a Filosofia da Linguagem, mas não é a análise que estou propondo aqui.
Neste post, o que eu quis efetivamente mostrar é que a relação entre duas sentenças atômicas verdadeiras, ligadas por uma conjunção lógica, é uma verdade... estejam as sentenças originais em que ordem estiverem. A partir disso, penso, ficou claro que a relação de causalidade permanece distante do que inicialmente consideramos como Lógica. Aliás, a sua discordância inicial sobre esta minha afirmação era a de que a Lógica, na sua forma mais fundamental, ou seja, antes de ser uma "ciência" propriamente dita, já remetia a uma expressão do mundo - vínculo que eu tentei demonstrar não necessário, na nossa primeira troca de pontos de vista... tentando reforçar essa opinião através desse novo post.
O caso aqui, repito, não é saber se João morreu da queda, ou não, mas sim mostrar que, para a Lógica, as relações causais, presentes no mundo empírico, são desnecessárias para validação do argumento.
Você parece, em certa medida, aderir à minha posição inicial, tratando a causalidade, agora, como algo pertencente à ontologia - e não à Lógica... seja ela qual for, ao contrário do que postulara quando citara que existiriam diversos tipos de lógica.
Entrando nesse campo da Ontologia - até da Filosofia da Linguagem -, poderíamos pensar a causalidade, como Kant, sob a forma de uma categoria para "enxergar" - seria melhor "construir" - a realidade que se nos aparece, mas também, como Aristóteles, arguir se as relações entre os estados não seriam, em si mesmas, categorias do ser.
De qualquer modo, minha intenção era mais reforçar aquela opinião inicial.
Desfeito o possível engano?

Ricardo disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anônimo disse...

Olá Ricardo. Você disse: “a relação entre duas sentenças atômicas verdadeiras, ligadas por uma conjunção lógica, é uma verdade... estejam as sentenças originais em que ordem estiverem”. Ao meu ver, eu só posso dizer que a relação das sentenças tratadas é verdadeira se consigo interpretá-las no sentido correto (e, mesmo assim, se parto do pressuposto que elas estão de acordo com eventos que se transcorreram no mundo), pois se encontro um nexo causal entre a primeira sentença e a segunda quando não existe, estarei, então, no engano, pois estarei dando um sentido aos acontecidos que não ocorreu. O entendimento das sentenças, por uma ordem específica, portanto, conta para creditá-las ou não como sendo uma verdade, mesmo que isso já não ocorresse se não é da minha intenção relacionar as duas, ou seja, se interpretasse somente ambas separadamente.

Mas, de novo, insisto na questão: o problema é mais profundo. A lógica, em certo sentido, não é somente alguma coisa que pudesse existir na “relação entre sentenças atomizadas”, mas, antes, já está em funcionamento a medida que “atomizo” qualquer coisa, ou seja, a “fecho” em um átomo. Além disso, sempre que se “fecha” forçosamente será necessário distinguí-la do que ela não é (como o claro é distinto do escuro, ou o alto do baixo), mesmo que seja uma distinção muito fundamental (algo bem diferente do que existe nesses dois enunciados). O Princípio da Identidade e do Terceiro Excluído, por exemplo, estão a todo vapor antes de se pensar em relacionar “a queda de João” com “sua morte”. Assim, essa “gênese” de algum sentido particular como sendo um átomo é o que me interessa mais, e, por isso, disse que não me interessava tanto se o tal sentido particular está na linguagem ou diretamente no percebido (no entanto, esse fato já teria pertinência para achar a “verdade” ou o quão fidedignos são certos enunciados como formas de expressão de uma realidade presenciada), pois em cada um desses espectros precisei atomizar as “coisas” para dar-lhes qualquer sentido. E como foi feita essa atomização?...Lógica!

Note que isso não é estar fazendo Ontologia. O fato dos sentidos serem, em algum grau, átomos, não tem relação direita com qual sentido especificamente terá cada um desses átomos. A causalidade, como falei, é parte integrante somente da Ontologia a medida que possui um sentido, mas possui alguma pertinência para a Lógica a medida que ela me dá um certo grau de “atomização” das “coisas”. A causalidade (como também “categorias”) possui essa relevância a medida que quero enquadrar os “átomos particulares” em um certo “átomo maior”, e, por sua vez, distinguí-lo de outros “átomos” para isso.

Acho que, ainda, quando você incluiu Kant e Aristóteles na história você se aproximou mais do que estou querendo colocar. Realmente será somente com essa “atomização” e como ela se processará que “enxergaremos” as coisas como sendo essas tais coisas, ou seja, para dar sentido (Ontologia) a algo que presenciamos ou falamos, precisamos também fechá-lo e distingui-lo do que ele não é (Lógica), e assim: há uma “forma” e uma “matéria” em qualquer “sentido”.
Um abraço.

Anônimo disse...
Este comentário foi removido pelo autor.