sábado, 5 de agosto de 2017

Injustiça com Locke


   Outro dia, eu ouvia um discurso de uma pessoa de "esquerda" - as aspas não são por conta de uma possível desonestidade ideológica do orador, mas por conta de algumas incoerências que imagino existirem no conjunto do seu pensamento. No tal discurso, reclamava-se de ações violentas contra pessoas em situação de fragilidade social. Até aqui, tudo certo. Acho que poucos, refletidamente, endossam violência contra pessoas que já vivem em situação de abandono. Mas... mas... aí veio uma crítica ao possível "fundador" desse tipo de pensamento... ninguém menos que Locke. Eu pensei, por um átimo, que deveria ser algum pensador contemporâneo que não conhecia... alguém meio fascista... sei lá. Porém, o orador desfez qualquer mal entendido, ao esclarecer que se tratava mesmo de John Locke (1632-1704).
   Faltava dizer o que o inglês fez de errado. E o "crime" do grande empirista foi anunciado. Segundo nosso orador, Locke teria indicado que o direito à propriedade era o que havia de mais importante, daí que qualquer ataque às pessoas estaria justificado, se a intenção fosse salvaguardar o patrimônio.
   John Locke deve ter se revirado no túmulo... mas se não o fez, eu me sacudi na cadeira. Não podia falar nada... mas deu vontade; afinal, foi uma tremenda injustiça com o filósofo britânico. 
   No Segundo tratado do governo civil, Locke indica que, mesmo no Estado de Natureza, existem leis, mas leis naturais. Estas seriam leis dadas por Deus, e os homens seriam capazes de descobri-las através da reflexão. Os homens seriam iguais e livres, no Estado de Natureza, mas Locke explica que "liberdade" não é licença para fazer o que quiser. As leis naturais dadas por Deus impedem o suicídio - já que o Ser Supremo teria determinado a vida daquele indivíduo - e a destruição de outros indivíduos - visto que Deus também os teria criado como iguais. 
   A criação do Estado civil atenderia ao desejo de se proteger três coisas: a vida, a liberdade e a propriedade. Desta forma, não há que postular que Locke incentivasse o ataque à vida, como se esta significasse um valor menor.
   

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