quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Os piores cenários possíveis (2)


   Continuando o post, do ponto onde parei:  o ecossocialismo.
  
   "O ecossocialismo seria um sistema baseado não só na satisfação das necessidades humanas, democraticamente determinadas, mas também na gestão racional coletiva das trocas de matérias com o meio ambiente, respeitando os ecossistemas".
   Como eu já disse no post anterior, pela responsabilidade que isso requer, dever-se-ia ter uma sociedade formada por cidadãos muito conscientes, o que eu acho muitíssimo difícil, mas...
   O autor do texto encontra, inclusive, uma crítica à tese da neutralidade das forças produtivas - tese que predominaria na esquerda no século XX -, ao indicar que "essa crítica poderia se inspirar... em observações de Karl Marx sobre a Comuna de Paris: os trabalhadores não podem se apropriar do aparelho do Estado capitalista e colocá-lo para funcionar a seu serviço. Eles devem 'rompê-lo' e substituí-lo por um outro de natureza totalmente distinta, uma forma não estatal e democrática de poder político".
  Aqui, inclusive, aparece uma ideia de "forma democrática de poder político" em Marx, o que nos indica que, em certo grau, mesmo sob a tal "ditadura do proletariado", enquanto resistência ao retorno do poder baseado no desejo dos capitalistas, tem que haver "democracia" para o povo.
  O autor continua, dizendo, então, que "as próprias forças produtivas devem ser profundamente modificadas... O conjunto do sistema produtivo tem que ser colocado em questão do ponto de vista de sua compatibilidade com as exigências vitais de preservação do equibilíbrio ecológico. Isso significa, a princípio, uma revolução energética: a substituição das energias não renováveis...".
  Aqui, um tema diferente cruza nosso caminho, tema que poderia ser destacado em um post futuro: o Brasil capitaneava o "combustível verde", com o álcool combustível e o biodiesel, e agora, com o Pré-sal, colocamos a responsabilidade de nosso crescimento no petróleo. Será que não há algum contrassenso aqui?
   Mas, voltemos.
  A parte final do texto diz: "Mas é o conjunto do modo de produção e de consumo que deve ser transformado". O autor indica que deve haver um movimento que suprima as "relações de produção capitalistas", iniciando uma "transição ao socialismo". E ele explica claramente sua perspectiva de socialismo, dizendo: "Entendo por socialismo a ideia originária... que não tem muito a ver com os pretensos regimes 'socialistas' que ruíram a partir de 1989: trata-se de uma 'utopia concreta' - para utilizar um conceito de Ernst Bloch - de uma sociedade sem classes e sem dominação, em que os principais meios de produção pertencem à coletividade, e as grandes decisões sobre os investimentos, a produção e a distribuição não são abandonadas às leis cegas do mercado, a uma elite de proprietários, ou a um bando burocrático, mas tomadas, depois de um amplo debate democrático e pluralista por toda a população".
  Em tese, particularmente, a coisa me parece muito bonita, mas, talvez por um excesso de ceticismo, eu duvido um pouco da práxis disso.
  O fechamento do parágrafo é bastante forte e emblemático. O autor escreve: "O que está em jogo mundialmente nesse processo de transformação radical das relações dos seres humanos entre si e com a natureza é uma mudança de paradigma civilizacional".
  Novamente, não há como deixar de reconhecer a empolgação do autor com o tema e sua qualidade literária.
  Espero que essa "mudança de paradigma civilizacional" esteja próxima de ocorrer.
  O autor apresenta várias ações que poderiam ser imediatamente implementadas, das quais eu destaco as seguintes:
  - substituição progressiva da energia fóssil por fontes de energia "limpa";
  - desenvolvimento subvencionado da agricultura orgânica; 
  - promoção de transportes públicos baratos ou gratuitos;
  - redução do tempo de trabalho como resposta ao desemprego e como visão da sociedade que privilegia o tempo livre em relação à acumulação de bens.
   Antes de comentar essa lista, gostaria de apresentar um trecho do último parágrafo do texto.
  "A lista de medidas necessárias existe, mas dificilmente é compatível com o neoliberalismo e com a submissão aos interesses do capital. Cada vitória é importante, sob a condição de... se mobilizar imediatamente para um objetivo superior, numa dinâmica de radicalização crescente".
  Sobre a lista, temos alguns aspectos interessantes. O primeiro é a insistência na substitiução das fontes "sujas" por outras mais "limpas". Em relação a isso, volto a insistir que o Brasil deu um passo a trás, apostando todas suas fichas na exploração do petróleo do Pré-sal. Aparece, na lista, em seguida, uma tentativa de valorização da agricultura orgânica, em detrimento da "agroindústria". Não sei se aparece só o pensamento ecológico, nessa ideia, ou se já haveria algum viés político, já que uma plantação mais "natural" viabilizaria uma certa socialização da produção agrícola.
  Agora, meu maior destaque seria para as duas últimas sugestões. Digo isso, porque Saturnino Braga, num livro que já citei no blog, e ao qual prometi voltar a comentar, indica essas duas ações como necessárias às melhorias sociais. Ele chega a sugerir a proibição total de carros nos centros urbanos, substituídos por transportes de massa absolutamente gratuitos. E, em relação à redução da jornada de trabalho, já foi tema de post e comentários, aqui no blog.

  Ainda dentro do presente tema, a revista "Filosofia - Ciência & Vida" deste mês, nº 41, traz como matéria de capa "Marx e a Ecologia", cujo subtítulo é "Sustentabilidade e consumo consciente já eram estudados pelo pensador. Entenda como ele relacionava esses conceitos à justiça social".

  Depois que eu ler a matéria, registro algo aqui.

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