quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Um poema "existencialista"

  Embora Alphonsus de Guimaraens (1870-1921) seja um poeta simbolista, e não um filósofo, já ressaltei neste blog, por diversas vezes, as "aproximações" entre a Filosofia e a poesia.
  No poema "Náufrago", por exemplo, aparecem vários conceitos do Existencialismo - a angústia, o Nada, o estar lançado no mundo, o Ser-para-morte... ou será que eu é que os coloquei lá? Que decidam os "amigos dos amigos"!

NÁUFRAGO

E temo, e temo tudo, e nem sei o que temo.
Perde-se o meu olhar pelas trevas sem fim.
Medonha é a escuridão do céu, de extremo a extremo...
De que noite sem luar, mísero e triste, vim?

Amedronta-me a terra, e se a contemplo, tremo.
Que mistério fatal corveja sobre mim?
E ao sentir-me no horror do caos, como um blasfemo,
Não sei por que padeço, e choro, e anseio assim.

A saudade tirita aos meus pés: vai deixando
Atrás de si a mágoa e o sonho... E eu, miserando,
Caminho para a morte alucinado e só.

O naufrágio, meu Deus! Sou um navio sem mastros.
Como custa a minha alma a transformar-se em astros,
Como este corpo custa a desfazer-se em pó!

3 comentários:

raph disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
raph disse...

o problema é "nem saber o que se teme"... Para alguns, olhar para a escuridão da noite e saber que somos poeira de astros, longe de ser motivo de medo, é motivo de deslumbramento.

Em todo caso, a poesia é belíssima exatamente por descrever tão bem o temor de quem sequer sabe o que teme.

Ricardo disse...

Amigo Rafael:
Essa ideia de "nem saber o que se teme" é justamente o que o Existencialismo chama de "angústia", ou seja, um medo que não tem "objeto". Normalmente, teme-se a altura, os cachorros, os assaltos, a morte... mas a "angústia" teme o "nada". E é aqui que a coisa começa a se complicar, pois, se não há um "foco", como combater esse "estado de ânimo"? Pior ainda, o tal "estado de ânimo", segundo os existencialistas, é mais que apenas isso... é mais que um mero estado psicológico... é um "modo de ser", algo que é estruturante no ser humano.
Se eles estiverem certo, a coisa fica mais complicada ainda.
De minha parte, prefiro "espantar-me" com o fato de sermos "poeira de astros" e me por a pensar sobre esse nosso "modo de ser estelar".
Abraços; parabéns pelo seu blog - que está ótimo - e obrigado pelo comentário.