Apesar de pessoalmente alinhado à indignação pelo atentado ao periódico Charlie Hebdo, como pensador honesto, sou obrigado a perspectivar minha reflexão, tomando outros pontos de vista como inicialmente válidos. Este exercício é fundamental para qualquer um que queira ultrapassar o somente dado. Por este motivo, passemos ao "Eu não sou Charlie", mas sou "o outro".
Assustei-me ao ver, na manhã do dia 14, a seguinte manchete no Portal G1: "Polêmico humorista francês é detido após comentário sobre 'Charlie Hebdo'". Trata-se de Dieudonné M'Bala, que teria participado do ato em repúdio ao atentado, mas postado um "deboche" sobre o mesmo, dizendo "instante mágico comparável ao Big Bang" - a interpretação do "deboche" da frase é da própria notícia. Além disso, teria acrescentado "Eu me sinto Charlie Coulibaly" - misturando os nomes do periódico e de um dos terroristas mortos.
Em que pese a acusação de seus desenhos promoverem o antissemitismo e de brincarem com o conteúdo INDEFENSÁVEL dos vídeos da degola de pessoas pelo Estado Islâmico, essas não seriam, também, manifestações satíricas da liberdade de expressão? Humor meio non-sense, de qualidade duvidosa, é certo... mas não era esse o caso, também, do Charlie Hebdo?
Além disso, a frase "Eu me sinto Charlie Coulibaly", dependendo da intenção, pode ser tomada como bastante profunda. É necessário pensar nos jornalistas mortos por um motivo tão "fútil" quanto a sua fina ironia, mas há também que estar atento à opressão sócio-econômica que torna jovens como Coulibaly presas fáceis de uma doutrina que se diz vingadora do mal. E aqui cabe o alerta de Hannah Arendt para que presentifiquemos em nossos discursos os totalitarismos, em vez de "esquecê-los" como algo do passado, a fim de que evitemos que eles se tornem novamente algo concreto e vivo.
Este é o primeiro post da série "Je ne suis pas Charlie"... só para pré-aquecer nossa máquina de reflexão...
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