quinta-feira, 18 de junho de 2015

Uma pedrada religiosa


   É certo que não vivemos uma cruzada religiosa de evangélicos tentando exterminar adeptos das religiões espiritualistas. Contudo, parece sintomático o fato de que uma mesma menina de onze anos, com trajes do candomblé, leve uma pedrada no domingo, e seja alvo de gritos ofensivos à sua opção religiosa na quarta.
   Sintoma de quê? De que não existe respeito pelas opções religiosas dos nossos pares na sociedade. Pior do que não haver respeito é sequer existir tolerância. Esta última está longe de ser o ideal da convivência, pois não reconhece a possibilidade do engano da nossa própria opção. O tolerante toma como princípio que ele tem a verdade, mas ainda permite que a ignorância alheia tenha espaço nesse mundo. Mas, sem dúvida, muito pior é o intolerante, que além de não ter a humildade de reconhecer a possibilidade de sua opção ser a falsa, ainda não permite que o outro persista na sua própria crença, mesmo que "errada".
   Curiosamente, a menina e sua avó pertencem ao candomblé, mas sua mãe comunga a mesma fé dos primeiros agressores, que lançaram a pedra sobre a menina.
   A avó da menina, com muito bom senso, disse: "trata-se de um grupo de fanáticos, que não pode ser confundido com o todo [dos evangélicos]". Discurso acertado, sem dúvida. Correta também foi a posição dos deputados estaduais fluminenses da bancada evangélica, que assinarão nota de repúdio à violência contra a menina. 
   Tudo certo, mas eu pergunto agora: E se, em vez de pedras, os agressores tivessem espadas? E se a lei, em vez de punir tal agressão, incentivasse a violência contra "infiéis"? Será que os "fanáticos" não estariam cortando cabeças em vez de jogando pedras? Bastaria, neste caso, a "nota de repúdio" dos líderes evangélicos?
   Acho que há, sim, um engano na própria expressão "tolerância religiosa". Insisto que devemos reforçar a ideia de "respeito interreligioso". Além disso, não acho que bastem "notas de repúdio". Há que se identificar e punir, não só criminalmente, mas também dentro da comunidade religiosa a que pertencem, os agressores. 
   Uma sociedade em que até um dos aspectos mais íntimos do ser humano, o tipo de crença no divino, é motivo de agressões e ofensas só pode ser digna mesmo de pedradas.
   Será que os "Estados Islâmicos" estão mais dentro de nós do que nos países do Oriente Médio?

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