Vale a pena conferir!
Este filósofo paulista foi criador de um sistema a que deu o nome de "Filosofia Concreta". Segundo ele, este sistema seria completamente baseado na lógica, não havendo possibilidade de discordância de seus pressupostos. Diga-se de passagem que esta é uma pretensão de vários filósofos, nem sempre aceita como válida, ou até como possível.
Segue um artigo dele, com o título "Filosofia especulativa e filosofia prática", de 1964, para demonstrar um dos aspectos do seu pensamento.
"Um dos grandes problemas que eu considero hoje em dia no campo da filosofia
que já vem de longe, é a falta da nítida compreensão entre a filosofia especulativa e a
filosofia prática, sobre o que se chama ciência especulativa e o que se chama de
ciência prática. Muitas vezes nos encontramos em face do que é válido no campo do
especulativo e não é válido no campo da praticidade, outras vezes encontramos que
aquilo que é válido no campo da praticidade não o é no campo especulativo.
Encontramo-nos assim em face de dificuldades teóricas que são fáceis de
resolver, porque eu digo sempre que em filosofia não há questões insolúveis, há
apenas questões mal colocadas, desde que se faça uma boa colocação do problema as
questões tornam-se de fácil solução.
Ora o que caracteriza propriamente o ser humano é aquilo que os antigos
chamavam a sua racionalidade, que entrava na sua definição clássica: homem animal
racional. E nesse termo de racionalidade inclui-se dois aspectos que possui o homem e
não possuem os outros animais que conhecemos, é que o homem dispõe de uma
vontade e de um entendimento, uma vontade que lhe permite deliberar e escolher
entre futuros contingentes, em que o homem pode acertar ou errar a sua escolha
porque sempre busca aquilo que é o seu bem, isto é, aquilo que é conveniente a sua
natureza.
A natureza do homem considerado na sua estaticidade, na sua dinamicidade,
isto é, no desenvolvimento das suas possibilidades que vão se atualizando e também
na sua cinematicidade, isto é, nas suas correlações e interatuações com os seus
semelhantes dentro da vida social e o bem é portanto tudo aquilo que é conveniente a
esta natureza.
A vontade tende para o bem, mas nós ao tendermos para o bem podemos
errar, podemos escolher mal o bem, não sabermos escolher entre o bem e o mal,
escolhendo muitas vezes um bem menor por um bem maior ou escolhendo o mal por
um bem legítimo para nós. Este é o nosso pecado original, pecado da espécie humana,
pecado com o qual todos nós nascemos, pecado que na alegoria do Gênese é
apresentado pela desobediência do ato de Adão e Eva.
Porque o ser humano é o único ser que pode dizer não, porque os animais não
dizem não, os animais apenas seguem os seus instintos, ocupam-se daquilo que é
imperioso para sua existência e os seus instintos são suficientes para lhes indicar o
que lhes é conveniente a sua natureza, mas o ser humano não, é um ser desprovido
de instintos, é um ser que precisa analisar, cogitar, escolher, verificar e
consequentemente ele pode errar.
Portanto, ao comer do fruto da árvore da ciência que é esta árvore do saber
que o homem dispõe, ele está sujeito a negações, é possível desobedecer, ele
desobedece, porque desobedece a própria natureza, porque nós mesmos perdemos os
nossos instintos logo que nascemos.
A confusão entre o especulativo e o páthico está aqui, porque o nosso
entendimento tem uma oréxis, tem um desejo, um apetite, ele parte para alguma
coisa, assim como a nossa vontade parte para o bem, o nosso entendimento parte
para a verdade, nós queremos captar a verdade, o homem é um ser anelante de bem
e de verdade, é um ser que se coloca entre estas suas exigências da sua natureza, da
sua natureza humana, não animal.
A verdade e o bem e o entendimento é esta capacidade de buscar a verdade,
quanto à vontade é a capacidade de buscar o bem (do termo grego oréxis que
corresponde mais ou menos ao apetite, o apetite em latim que quer dizer este ad
petere, este pedir para) este pedir para alguma coisa, um pede para o bem e outro
pede a verdade.
Então consequentemente o homem constrói o seu mundo fundado nestas suas
duas grandes realidades: o mundo da vontade é o mundo da sua prática, é o mundo
da sua dramaticidade, é o mundo da sua ação, e o mundo do seu entendimento vai
colimar na obra especulativa, o mundo da criação intelectual. Podemos dizer assim:
que o mundo da prática é uma criação da vontade, enquanto o mundo da especulação
é uma criação do entendimento.
Mas estão os dois separados? Será que o entendimento é algo que funciona
completamente fora da vontade? Não, os dois estão presentes, a vontade precisa do
entendimento para deliberar bem e o entendimento precisa da vontade para por-se em
ação, para alcançar a verdade.
Ora a filosofia surge e tem as suas raízes na ação do homem, neste desejo do
bem, porque aspirando o bem, ele investiga, ele anela este conhecimento e sobretudo
tem as suas raízes nesse anelo, nessa orexis, pela verdade que lhe dá o entendimento.
E a filosofia vai se polarizar, aquela que predomina no entendimento é especulativa e
aquela que predomina a vontade é a filosofia prática.
Temos o seguinte: na filosofia prática o valor principal para o qual tende é o
conveniente, é o certo, toda vida prática humana, o que vale é aquilo que pode
corresponder a natureza humana em todos os aspectos em que ela é considerada, de
todas as formas proteicas em que ela possa se manifestar, enquanto que na
especulação é a verdade.
Ora observamos logo e é fácil observar, que o que se refere a verdade é
indivisível porque a verdade é indivisível, ou é ou não é. Então no mundo especulativo
estamos no mundo do aut aut, no mundo do ou ou. A disciplina que nos pode guiar
como a matemática ou a lógica e a dialética, como a lógica formal que trabalha entre
ou ou, ou verdade ou falsidade, não há o menos falso nem o mais falso, não há o
menos verdadeiro nem o mais verdadeiro, há o verdadeiro ou há o falso.
Mas no mundo da praticidade humana as coisas poderão ser mais ou menos
convenientes, poderão ser melhores ou piores, poderão ser mais certas ou erradas,
então nós temos uma gradatividade, temos uma divisibilidade. Por isso neste mundo
domina a gradação, a intensidade, os graus intensistas. No outro é estático, as idéias
são estáticas, os princípios são estáticos, tudo é incomutável, ou é ou não é."
Não que eu concorde plenamente com tudo... mas está aí para pensarmos e discutirmos.