Esse post seria apenas uma resposta a um comentário de Maria sobre o post anterior. Entretanto, como ele foi ganhando em tamanho, resolvi registrá-lo na parte principal do blog.
Maria tem razão quanto à origem do termo "sofisma" - como "falácia". Realmente, ele seria um produto da técnica dos sofistas. Mas o termo foi cunhado a partir da definição que Platão deu para os sofistas, e não o contrário. Portanto, há uma circularidade, e não uma comprovação "que cabe como uma luva" na definição platônica, ou seja, "os sofistas o são porque sofismam, e sofismam porque são sofistas".
Como Maria questiona a questão do "rosto" dos sofistas, única e exclusivamente a partir do retrato de Platão, eu registro algo que li: "uma interpretação comum atualmente é que esses pensadores foram vítimas de uma condenação injusta, que só começou a ser reparada no século XIX".
Parece que a única fonte que temos sobre os sofistas, ao lado de Platão, é a do doxógrafo Filostrato (séc. II-III dC) - bem posterior ao primeiro, portanto. Há, entretanto, um sofista listado por Filostrato, de nome Isócrates, que era contemporâneo e rival de Platão, o qual designava seu próprio programa educacional de Filosofia, reservando para Parmênides, Heráclito, Protágoras, Górgias, Platão e Sócrates a alcunha de "sofistas".
É interessante perceber que, como o termo "sophistés" queria dizer, inicialmente, algo como "especialista", o historiador Heródoto chamava "sofistas" a Sólon e Pitágoras, talvez, especialistas nos seus ofícios de político e matemático, respectivamente.
Outro contemporâneo de Sócrates que não parece ter o mesmo ponto de vista de Platão é Aristófanes, que escreveu "As nuvens", onde não faz distinção entre filósofo e sofista, nem entre aqueles filósofos "físicos" ou "fisicalistas" - que só se preocupavam com o fundamento da "physis" -, que viriam posteriormente a ser chamados de "pré-socráticos", e aqueles que seriam os "proto-humanistas", como Sócrates. "O Sócrates-sofista de Aristófanes seria tanto um pesquisador da natureza quanto um manipulador de discursos, com vistas a obter sucesso nos negócios pessoais".
É importante perceber que Platão tinha a concepção da existência real das "Ideias", como conceitos puros, imutáveis e eternos, que tinham participação na "realidade meramente aparente" em que vivemos. Neste caso, ele teria que defender a existência da Ideia "Justiça", absolutamente verdadeira, que "participaria" das ações justas necessariamente, aqui no nosso mundo das aparências. Mas é interessante fazer uma crítica sobre uma possível "objetividade pura" dos valores humanos - conforme fizeram os sofistas. Há, por exemplo, um texto chamado "Discursos duplos", de autoria desconhecida, que, em determinado trecho, "pensa" sobre o "Justo e o injusto". Está escrito: "Dir-se-ia que é perverso e vergonhoso mentir aos amigos... Mas se o pai ou a mãe precisarem ingerir um medicamento e não quiserem, não é justo dar-lho na comida ou na bebida e não dizermos que se encontra aí?", e continua avaliando se "é justo roubar o que pertence aos amigos e exercer violência sobre os mais amados. Por exemplo, se um dos familiares, transtornado por qualquer motivo, estiver prestes a matar-se com um punhal... é justo roubar-lhe esse utensílio, se possível; ou, se se chegar demasiado tarde e já tiver o instrumento na mão, não é justo arrancar-lho à força?". Essas são questões éticas discutidas até hoje.
Diógenes Laércio diz que Protágoras "foi o primeiro a afirmar que, sobre cada coisa, havia dois discursos possíveis, contraditórios". É justamente o que fazem os "Discursos duplos", que exploram a indeterminação relativa das circunstâncias e dos costumes das diferentes comunidades políticas. "As coisas humanas - valores, opiniões, costumes, etc. - são múltiplas e instáveis, e é isso o que propicia a ação da persuasão pela palavra".
Parece-me, portanto, que qualquer avaliação de valores humanos acolhe uma certa subjetividade, em contraposição a uma "verdade absoluta".
OBS.: As citações não indicadas são de "Os sofistas: o saber em questão", de autoria do professor Marcelo P. Marques.