quinta-feira, 30 de abril de 2009

Veríssimo filósofo

Quem achou que só iria rir com as citações ao Luís Fernando Veríssimo descobrirá que o gaúcho tem lá suas tiradas filosóficas.
Vejam essa:
"Todas as opiniões sobre o gênero humano são suspeitas, porque são de gente. É impossível ser completamente objetivo sobre a própria espécie.
Mesmo as opiniões mais negativas sobre o ser humano têm esta falha de origem: são de seres humanos. O misantropo odeia os outros porque não correspondem ao seu ideal do que pode ser a Humanidade; o cara que se odeia também se julga por um parâmetro exaltado do que signifcaria ser um bom membro da sua raça. Portanto, nem a autocrítca humana é confiável.
Quando nos elogiamos, então, falta-nos a mínima credibilidade. Não temos o distanciamento indispensável; não temos a isenção necessária; não temos a segunda opinião".
Aliás, um problema sério da Teoria do Conhecimento é que nunca temos uma "segunda opinião" de um ente totalmente diverso de "nós". Temos apenas uma opinião de um outro "nós". Com isso, limitamo-nos a conceber a verdade da realidade apenas como uma versão que compartilha de certa "regularidade intersubjetiva".

quarta-feira, 29 de abril de 2009

Uma certa dose de "inautenticidade"

Concordo com Heidegger de que o modo autêntico de ser, onde, ao invés de simplesmente viver como um "eu-eles", um "impessoal", se vive assumindo e realizando os próprios projetos, é o modo mais verdadeiro de realizar plenamente a nossa "humanidade". Se bem que já havia percebido em Spinoza esse modo mais pleno de viver, através da sua proposta do aumento do "conatus", muito antes de ler o filósofo da Floresta Negra.
De qualquer forma, há momentos em que se render ao "palavrório" - a Gerede heideggeriana - é uma necessidade ôntica nossa... para simplificar, uma necessidade para nossa saúde psicológica. É verdade que não chego a assistir ao Big Brother Brasil - o que, aliás, poderia vir a prejudicar minha tal "saúde psicológica". Rsss -, mas me dou o direito de pequenas comédias e leituras não-técnicas.
Ontem, por exemplo, concluí "O mundo é bárbaro - e o que nós temos a ver com isso", de Luís Fernando Veríssimo. O livro é uma coletânea de crônicas. É lógico que não se abandona totalmente o mundo enquanto se lê o Veríssimo. Afinal, ele nos remete constantemente à realidade, com seu característico olhar irônico. Aliás, essa ironia já é, por si só, uma forma de reflexão crítica dos fatos.
Pretendo citar alguns trechos do livro em posts futuros. Hoje, começo com esse:
"Um personagem de John Le Carré diz que ama a hipocrisia, porque ela é o mais próximo que o homem chegará da virtude... A frase sobre o amor à hipocrisia poderia ser de qualquer brasileiro decidido a resistir à desesperança e ao cinismo, por mais que o provoquem. Não somos otários, como pensam. Somos hipócritas. Isto é, otários conscientes. Otários porque alguém nesse país tem que fingir que é virtuoso. Para que a hipocrisia funcione e nos salve do caos, é preciso que a maioria faça seu papel: de otários. Nenhum brasileiro tem dúvida de que é logrado em tudo... A política que lhe vendem há anos é para otários. Essa elite... não existiria se os otários não estivessem compenetrados no seu papel. Aqui ninguém é otário por ingenuidade, é tudo simulação... São os otários que sustentam a República. No Brasil, a hipocrisia é uma forma de patriotismo".
Bem... ser otário e hipócrita por patriotismo já nos tira um peso das costas! E tenho certeza de que os nossos políticos levam esse nosso patriotismo muito a sério. É só ver que, logo depois daqueles escândalos das viagens aéreas, eles logo se propuseram um aumento.
Eita, patriotismo caro!
Outra, mais curtinha:
"Um enólogo francês foi contratado para produzir vinhos iguais aos da França na Califórnia. Depois de plantadas as videiras e instalados os equipamentos, ele disse: 'Pronto, agora é só esperar trezentos anos.'"
Eita, sinceridade desagradável!

terça-feira, 28 de abril de 2009

Nova ortografia

Eis que já começaram a aparecer os livros de Filosofia publicados sob a vigência da Nova Ortografia. Essa é a boa notícia. Mas... melhor notícia ainda são os títulos das publicações: "Compreender Heidegger", de Marco Antonio Casanova, e "Os filósofos - Clássicos da Filosofia - Volume III, de Ortega y Gasset a Vattimo", organizado por Rossano Pecoraro, ambos pela Editora Vozes.
Aliás... a Editora Vozes está batendo recordes de boas publicações filosóficas. Parabéns!
O primeiro é da série "Compreender ...", que conta com textos sobre Spinoza, Nietzsche, Kant, Sartre, entre vários outros. Gostei muito dos que li até agora. O trabalho é muito sério, não se limitando a um texto superficial. E agora temos o prazer de encontrar mais um amigo spinozano - título do qual não tenho certeza que ele gostasse muito. Rssss - que é Martin Heidegger. Apenas comecei a ler o texto, não podendo apresentar muitos comentários. Fato é que eu sempre tenho que fazer um esforço tremendo para entrar naquele pensamento que deveria ser "automático"; afinal, o entendimento do Ser, segundo Heidegger, já está presente em nós de forma pré-racional. Mesmo assim, eu encaro os Daseins, os quais não formam uma "espécie" com o atributo da "daseinidade" em comum. Esse Heidegger é muito engraçado, mesmo. Fico pensando, então, como Heidegger consegue falar tanto dos Daseins, se eles são tão particulares e únicos...
Mas isso é para outro post.
O segundo título pertence a outra coleção, que já tinha dois volumes anteriores - o primeiro, de Sócrates a Rousseau, e o segundo, de Kant a Popper. Essa segunda publicação vem em parceria com a Editora PUC Rio, sendo os textos de especialistas brasileiros em cada um dos filósofos.
A apresentação é sempre feita segundo a seguinte divisão: O filósofo e seu tempo; a Filosofia de "nome-do-pensador" (que é a parte mais extensa); conceitos-chave; percursos e influências e, finalmente, as obras do pensador.
Desse, só li alguns filósofos específicos. E, que Spinoza não nos leia, não vi o texto sobre ele ainda - Xiiiiii! Se ele souber disso, tira o nome do blog! Rssss

segunda-feira, 27 de abril de 2009

Emmanuel Lévinas

Por necessidade do curso que ora faço, na Casa do Saber - como já contei em posts anteriores -, comecei uma leitura sobre Emmanuel Lévinas. Este pensador lituano - nascido em 1906 e falecido em 1996, que frequentou os cursos de Husserl e Heidegger, em Freiburg - não me parece ser uma leitura fácil. Achei muito interessante sua opinião de que a ética - e não a metafísica - seria a "Filosofia Primeira", mas há conceitos utilizados por ele que não tornam a ética uma coisa tão imediata quanto pensa o senso comum. De qualquer forma, continuo às voltas com seu pensamento, sempre aprendendo algo, ainda que não seja para aprofundar-me tanto. Afinal, ainda penso que o desenvolvimento de uma ética pressupõe um estudo do homem que precisa ser apoiado na e pela metafísica... ao velho estilo spinozano.
Escrevo, entretanto, para registrar uma frase de Lévinas que mostra bem o destaque que é dado ao "Outro" em seu pensamento: "A liberdade do Outro começa onde começa minha liberdade".
Ou seja, ao invés do primado do "eu" (que ele chama de "Mesmo") sobre o outro, o que existe é uma "simultaneidade" de importância... e de liberdade. Desta forma, aquela máxima do Direito de que "o direito do outro começa onde termina o meu" só é válida sob uma óptica egóica... e egoísta. Na verdade, o direito do outro começa onde começa o meu, enquanto ambos se "co-limitam" simultaneamente.
Talvez se a humanidade desse mais importância ao "A liberdade do Outro começa onde começa a minha liberdade", pensando menos "juridicamente", vivêssemos melhor.

sexta-feira, 24 de abril de 2009

O poder corrompe...

Num artigo com o mesmo título do post, publicado na revista Ciência&Vida - Filosofia, do mês passado, Renato Janine Ribeiro comenta a frase "O poder corrompe; o poder absoluto corrompe de maneira absoluta", atribuída ao historiador liberal inglês John Acton.
Inicialmente, Renato corrige o entendimento popular, mostrando que Acton, em realidade, teria dito o seguinte: "O poder tende a corromper; o poder absoluto corrompe de maneira absoluta".
A partir dessa correção, Renato mostra que Acton pretende dizer que existe uma tendência inerente à posse do poder, que é o de ser corrompido. Mas essa tendência pode ser freada. Entretanto, o poder absoluto sempre leva à corrupção.
Renato Janine Ribeiro explica, então, que "A lição que Acton nos propõe é que existe um meio para que o poder não corrompa... algo como controles e contrapesos... O crucial é que os poderes não estejam unidos, mas se equilibrem de maneira tensa e mesmo conflituosa". Ou seja, não se deve fazer com que os poderes funcionem tão harmonicamente, no sentido de não haver tensão entre eles. O que fará com que não haja a corrupção é a ação antagônica deles, no interesse da correção de atitudes diante do poder que o povo lhes outorgou. Quando os "acordos" minam essa relação conflituosa, tudo virando "um", param de existir os controles efetivos.
Mas o autor da matéria é mais feliz quando nos coloca para pensar profundamente, ao escrever que "todo poder é perigoso... Mas esse veneno pode ser detido... E o que vai detê-lo não precisa ser melhor do que ele! O importante não é opor o bem ao mal... Não é melhor jogar um mal contra o outro? Não será este o segredo da boa administração de um mundo em que o mal é tão frequente? Ou seja, nenhum dos três poderes é uma maravilha - mas é melhor que estejam em mãos diferentes e que possam controlar-se um ao outro...".
O tom da afirmação de Renato Janine Ribeiro pode soar meio "maquiavélico" - no melhor sentido do termo; afinal, corresponde à realidade política com que nos defrontamos - mas me parece uma apreciação de muito valor.
Exemplo maior do que foi dito é que as grandes "falcatruas" políticas vêm à tona justamente quando os próprios "maus" se desentendem e, sentindo-se prejudicados, colocam suas insatisfações no espaço público. Eles não "mudaram de lado", passando a ser os "heróis"; simplesmente estão funcionando como um contrapeso à situação anterior. Este contrapeso, se bem aproveitado, se transforma em controle, através dos órgãos fiscalizadores - como o Ministério Público, por exemplo.
Enfim, é melhor um bandido servindo de dedo-duro dos outros do que todos organizados contra nós! Eita, conclusão dolorosa!

quarta-feira, 22 de abril de 2009

Até tu, Gabeirus?


Não estranho mais ler sobre escândalos no governo brasileiro... em qualquer um dos três Poderes. Mas... algumas figuras, para mim, talvez por muita ingenuidade, ainda me parecem merecer alguma deferência. Esse ERA o caso do Gabeira.
Entretanto, no rastro da última acusação contra o Congresso, a qual indicava que nossos representantes em Brasília usavam o dinheiro público para pagar passagens aéreas de modelos, artistas e familiares, vejo surgir o nome de Fernando Gabeira (deputado federal pelo PV-RJ).
Fui, então, ler o que nosso representante dizia sobre a acusação e... a emenda saiu pior do que o soneto.
Consta no jornal O Dia que ele disse que "possivelmente" duas passagens de sua filha teriam sido pagas pelo Legislativo. Mas, depois, a coisa foi se aclarando. O jornal indica que "Gabeira lamentou ter sucumbido à tradição brasileira que confunde público e privado".
Estranhei duas coisas, na continuação da matéria. A primeira foi a declaração de Gabeira ao dizer "A primeira reação que recebi foi o comentário cínico 'Ninguém escapa'". Comentário "cínico", deputado? V. Exa. sabe o que quer dizer "cínico"? No dicionário da Academia Brasileira de Letras está registrado que "cínico" é um "transgressor das convenções sociais, desavergonhado...". Quem é mais cínico/desavergonhado, o sujeito que fez o comentário ou V. Exa.?
A segunda coisa que estranhei foi a preocupação do nobre deputado - indicado como "reserva ética do Congresso" pelo jornal - com a sua "arranhada imagem", dizendo "Não acho que isso vai ser rapidamente superado".
Uma coisa boa - Ufa! -, quando leio que "Gabeira pretende revisar hoje os bilhetes emitidos por seu gabinete". Mas... depois da porteira arrombada é que se coloca o cadeado!
Vale, então, a charge do jornal Extra, de 16 de abril, de autoria do cartunista Leonardo, que coloquei acima.

domingo, 19 de abril de 2009

Uma poesia de Cecília Meireles

Ao contrário do "rótulo" de racionalista, Spinoza prezava muito a intuição como forma de acesso ao "inefável". Em homenagem a ele - um "racionalista afetuoso" - deixo registrada uma poesia de Cecília Meireles que, talvez, expresse algo do ser-para-morte de Heidegger e da "sobre uma espécie de eternidade" do próprio luso-holandês.
"Tu tens um medo:
Acabar.
Não vês que acabas todo o dia.
Que morres no amor.
Na tristeza.
Na dúvida.
No desejo.
Que te renovas todo o dia.
No amor.
Na tristeza.
Na dúvida.
No desejo.
Que és sempre outro.
Que és sempre o mesmo.
Que morrerás por idades imensas.
Até não teres medo de morrer.
E então serás eterno."

Cecília Meireles, Cânticos, VI.

sábado, 18 de abril de 2009

A "inautenticidade" e a "má-fé"

Há duas ideias que se aproximam em Heidegger e em Sartre, mas que guardam, em seu íntimo - a meu ver -, uma diferença sutil: a "inautenticidade" e a "má-fé", respectivamente.
Tanto na "inautenticidade" quanto na "má-fé", o homem olha sua existência como se houvesse apenas uma perspectiva para experienciar o mundo. A diferença é que, no primeiro caso, isso é "espontâneo", enquanto, no segundo, há uma "acomodação" à perspectiva em questão. Ou seja, na "má-fé", o homem sabe que existem outras perspectivas, outras opções para conduzir sua existência, mas insiste em ficar naquela.
É importante destacar, ainda, que, na "inautenticidade", o homem como que é "enganado", achando que só existe o modo impessoal de existir - "Faz-se assim!"; "Vive-se assim!" -; abrindo-se à nova possibilidade apenas com a ocorrência da Angústia. Já no modo de ser chamado "má-fé", o homem como que se "ilude", se "aliena", para tornar sua existência mais "simples". Se o impessoal "os outros" dita o modo de viver, comportar-se como "eles" é desresponsabilizar-se dos próprios atos.
Portanto... apesar desses modos de ser não serem, segundo os existencialistas, passíveis de um juízo de valores, eu acharia melhor estar na situação de "inautenticidade" do que na de "má-fé".
Uma pergunta geral: em que situações estamos agindo de "má-fé" conosco?

sexta-feira, 17 de abril de 2009

A "Angústia" heideggeriana (2)

Como eu havia dito em post anterior, registrei muita coisa da aula de Rafael Haddock-Lobo, sobre os nossos amigos - e de Spinoza, também - Heidegger e Sartre. Obviamente, apareceram referências ao assunto que ora desenvolvemos - a Angústia heideggeriana.

Primeiro, uma frase conhecida como de Nietzsche, mas que originalmente pertence ao poeta grego Píndaro de Cinoscefale ou Píndaro de Beozia (518 a 438 aC): “Torna-te o que tu és”. É interessante que o verbo "tornar-se" tem o sentido de passagem e o verbo "ser", no caso, indica um estado já presente. Então, a frase pede para virmos a ser aquilo que já somos potencialmente, mas não em ato, ou seja, não efetivamente. De alguma forma, isso não parece remeter à passagem da existência inautêntica para a autêntica?

Agora, as notas da aula:

- "A Angústia surge no momento em que o homem percebe que ele é uma ausência de objeto [no sentido de algo 'pré-determinado' por uma essência], que ele não tem 'essência', que ele é 'nada'. Nada faz sentido porque o 'sentido' tem que ser construído pelo próprio homem."; e

- "Pensar leva à angústia e, por isso, é mais fácil se 'perder' no mundo, em meio aos outros 'objetos', praticamente tornando-se um deles".

Lembrando que o "nada" de Heidegger não é exatamente o "não-ser" absoluto, mas o "poder-ser", que é estruturante no homem. Esse "poder-ser", que é potência, implica uma ação para que o homem efetivamente seja. E essa ação depende de uma escolha livre, a qual implica responsabilidade total pelos próprios atos... e, aqui, já entramos em Sartre.

Para Sartre, o terror adviria da percepção dessa liberdade plena, que acarretaria uma responsabilidade plena. Se a responsabilidade pelos nossos atos é plena, não há a quem culpar pelos nossos insucessos, senão a nós mesmos.

Bem a propósito disso, Sartre nos diz: "Não importa o que os outros fazem a você; importa o que você faz com o que os outros fazem a você".

Utopia? Não sei... Podemos continuar pensando juntos.

De qualquer forma, temos que lembrar que, para Sartre, não há um inconsciente, um "reino" mental de lógica e organização diferentes daquelas do "reino" consciente, racional, da vontade. E aqui, distancio-me totalmente de Sartre, voltando ao meu amado Spinoza - revisitado por Freud, posteriormente -, que via nessa "liberdade" - pensada como exercício livre de escolhas pela vontade de um sujeito - uma impossibilidade.

quinta-feira, 16 de abril de 2009

A "Angústia" heideggeriana

O compadre Mundy colocou um comentário sobre o último post, onde dizia que, apesar de não conhecer bem Heidegger, tinha lido uma frase sua: "A angustia é disposição fundamental que nos coloca perante o nada" e queria entendê-la melhor.
Lanço-me nessa aventura de "esmiuçar" a frase, contando com a ajuda no nosso novo amigo Júlio, mais conhecedor do que eu do pensamento do alemão, e de quem mais quiser auxiliar.
O conceito de "Angústia" em Heidegger é muito importante. A "Angústia" - que não deve ser confundida apenas com aquela psicológica, já que a de Heidegger é mais "profunda" - é fundamental para o homem sair do que ele chama de "existência inautêntica" rumo à assunção de sua "autenticidade".
Por outro lado o "nada" heideggeriano não é simplesmente o contrário de "algo". Aliás, uma advertência: Heidegger torce e retorce as palavras até que elas tomem significados absolutamente heideggerianas... o que, por vezes, é muito problemático, porque nos enganamos com o que pensamos ver, não alcançando o que ele viu.
Mas voltando...
Heidegger chama "nada" - num dos sentidos possíveis em sua leitura -, ou mais especificamente "nada da vida", à absorção da vida (singular) no mundo à sua volta. Isto é a própria inautenticidade do homem.
Juntando tudo... entendo que na frase em questão, Heidegger mostra que a "Angústia" nos coloca diante da percepção de que estamos vivendo uma vida que não representa as nossas possibilidades plenas, uma vida que se vive para os outros - segundo as regras deles e necessitando da aprovação deles -, em resumo, uma vida inautêntica. A partir de então - e aqui está a "positividade" da Angústia heideggeriana -, podemos passar a nos percebermos como individualidades com projetos e possibilidades próprias, não guiados mais pelo "impessoal".
Já dá para comentar algo, compadre? E, Júlio, acertei no alvo ou passei longe?

quarta-feira, 15 de abril de 2009

Casa do Saber (2)

Segunda-feira tive aula sobre Heidegger e Sartre. A comparação do "Existencialismo" de ambos foi bastante interessante. Já que registrei bastante coisa, depois divido com os amigos.
Quero comemorar a entrada de mais um "seguidor" no blog - eita, expressão feia! Fico parecendo um líder religioso. Rsss.
O rapaz só entrou meio de pé esquerdo em virtude do time de futebol. Mas nem tudo é perfeito. Por outro lado, parece que Heidegger vai se presentificar através de um interlocutor mais qualificado.
De minha parte, abraço o novo companheiro e fico ávido para aprender mais sobre o alemão da Floresta Negra.

terça-feira, 14 de abril de 2009

O próximo livro

Ainda "surfando" na onda existencialista, comecei a ler "A essência humana como conquista - o sentido da autenticidade no pensamento de Martin Heidegger".
Esse título promete, hein!

segunda-feira, 13 de abril de 2009

Sobre o Fla-Flu de ontem

Apesar do estranhamento que vou causar em meu compadre, utilizo esse post a fim de parabenizar o Flamengo... e já vou apostando que esses parabéns se estenderão ao 31º título estadual.
Triste não foi ver o maior adversário nos tirar da final, foi ver apenas o Flamengo entrar em campo. Do outro lado, um time completamente envolvido, batido e inoperante, vivendo de lances esporádicos. No segundo tempo, melhorou... mas não o suficiente para vencer um clássico.
É verdade que o gol do Fla surgiu em uma falha de meu "abilolado" goleiro - que, depois, fez inúmeras ótimas defesas -, mas o fato principal é que o "sujeito" do Fla que recebeu livre a bola para chutar, já tinha sido contemplado com duas ou três bolas na mesma situação. Chutasse antes e, talvez, já tivesse marcado o gol eliminador.
Nós, tricolores, nos acostumamos a dizer que "no papel" nosso time era o melhor. Triste ilusão! Só temos mesmo o Thiago Neves, o Conca e o Fred. Os outros são jogadores medianos, alguns dos quais não têm condições técnicas de usar a camisa do Fluminense. E mais... o trio de craques está jogando muito abaixo do que pode.
Parabéns aos flamenguistas!
E uma informação: já me "desmobilizei", como torcedor, para o Campeonato Brasileiro.

Sobre o Existencialismo

Concluí a leitura de "Existencialismo - Uma reflexão antropológica e política a partir de Heidegger e Sartre".
No último post que escrevi, registrei que estava entrando no capítulo que falava do tempo. O livro continua por temas bastante próprios ao Existencialismo: a liberdade, o outro e a morte. Minha avaliação é que o livro é muito bom e vale a pena ser lido por quem se interessa pelo Existencialismo.
Mas o post de hoje se refere a algo que me parece uma injustiça. Heidegger atacou Sartre por este ter, de certa forma, retomado o dualismo sujeito-objeto ao criar as figuras do "em-si" e "para-si". O "em-si" é o ente "pronto", com uma essência definida e um sentido determinado. O "para-si" é o ente "inacabado", cuja essência sucede necessariamente à existência e que tem um sentido que será constituído a partir do seu próprio projeto. Isto é, seria o homem. O que me parece a injustiça é que o Dasein heideggeriano também lida com entes que não existem, mas apenas são - como explica o filósofo da Floresta Negra. Ora, isso também não estabelece um dualismo, entre aqueles entes que existem - que somos nós, homens - e aqueles que simplesmente são - a pedra, o automóvel, etc.?
É bem verdade que Heidegger sugere que o "dualismo sartreano" se estabelece a partir de um par consciência-coisa, ao estilo da tradição; dualismo, esse, que teria sido superado pela "Fenomenologia" - pelo menos, em tese. Mas o "para-si" de Sartre também tem uma instância vivencial pré-reflexiva, sendo mais rico, portanto, do que a "consciência" dos filósofos modernos ou que o "sujeito transcendental" de Kant... da mesma forma que também o é o próprio Dasein, de Heidegger.
É curioso como a tradição "pensa" forte em nós. Escrevo, "pensa em nós" como se essa tradição nos tornasse um pouco "passivos", algo como se as "circunstâncias" não quisessem calar, no nosso pensar, e representassem bem aquela equação orteguiana do "eu = eu + circunstâncias" - que viola a lógica formal, mas me parece bem real.
Mas parece existir uma explicação para isso. Comte-Sponville explica em seu dicionário, no verbete "consciência", que "toda consciência supõe certa dualidade. Observa Maine de Biran que 'consciência quer dizer ciência com, ciência de si com a de alguma coisa'".
Obviamente, é por isso que o primeiro passo de qualquer pessoa que queira negar essa dualidade é suprimir o conceito de "consciência". Como os conceitos de "sujeito", "eu", etc. também ficaram muito ligados ao do que é consciente no homem, liquidam-se também estes, restando os metafóricos "existência", "para-si", "Dasein", etc.
Entrentanto, para quem filosofa a partir de Freud - com o eu cindido entre consciente e inconsciente - parece-me que existiria espaço para voltar a usar "sujeito" ou "eu", significando os aspectos psíquicos conscientes e inconscientes, enriquecidos, ainda, pela valorização dos aspectos corporais - este último, como o fez Merleau-Ponty.
E... ponto final, porque isso está ficando muito comprido!

sexta-feira, 10 de abril de 2009

Depois de "Analítica do Sentido"

Após ter lido o ótimo "Analítica do Sentido", de Dulce Mára Critelli, que, apesar da ênfase na interpretação fenomenológica do mundo, faz uma comparação esclarecedora com a interpretação metafísica tradicional, passei à leitura de "Existencialismo - uma reflexão antropológica e política a partir de Heidegger e Sartre", de Anna Maria Laporte e Neusa Volpe.
A problemática que serve de ponto de partida do primeiro livro, qual seja, a comparação entre as abordagens metafísica tradicional e fenomenológica quanto à compreensão do ser, ainda está ecoando em minha cabeça... e, provavelmente, servirá de inspiração para posts futuros.
O segundo livro vem bem na hora em que estou cursando "O homem? Um problema para todos os tempos". Aliás, haverá uma aula justamente sobre Heidegger e Sartre pensando o homem, através do Existencialismo.
Lido um terço do livro, dá para perceber como o assunto é bem desenvolvido. O livro começa situando o Existencialismo historicamente, considerando-o iniciado - como a maioria dos autores faz - por Kierkegaard, que teria trazido "ao cenário filosófico as questões do homem concreto, enquanto indivíduo existente... Frente aos problemas objetivos, formais e impessoais, chamou a atenção para a angústia imanente do próprio existir humano. Existir angustiado porque engloba as possibilidades de escolha da própria existência, ressaltando a grande questão humana - a questão da liberdade".
O livro destaca que "o alerta pelo resgate humano permaneceu adormecido até o período sacudido pela Primeira e Segunda Guerras Mundiais. Esse genocídio, em particular a Segunda Grande Guerra, implodiu todos os valores sedimentados pela cultura ocidental".
Isso me faz pensar em todos os dramas quotidianos a que temos assistido no mundo, que marcam vigorosamente a falta de valores na sociedade atual, e questionar se não seria hora de "reviver" um pouco o Existencialismo. Será que as Filosofias pós-existencialistas realmente deram conta de responder o que o homem está se tornando? Será que o Existencialismo está totalmente morto, mesmo?
Voltando ao livro...
A parte que vem a seguir, no livro, mostra o Existencialismo e sua relação com o método fenomenológico. Vem, depois, uma análise sobre "o que é o mundo", onde consta o entendimento de Heidegger sobre a "Physis" grega, comparada com o "mundo técnico" do Ocidente. O capítulo seguinte aborda a perspectiva essencialista do homem (advinda da tradição) e a do homem como processo, destacando o inacabamento do homem, e por isso a ausência de uma "essência", no sentido da tradição. Nesta parte, comenta-se a critica de Heidegger à afirmação de Sartre de que, no homem, "a existência precede a essência": "Para Heidegger, Sartre, ao inverter a formulação metafísica, continuou metafísico, porque 'existência' continuou sendo conceituada como 'atualidade' e 'essência' como possibilidade, caminho seguido pela história metafísica do Ocidente".
Eu não sou o maior defensor de Sartre, mas há que se considerar que Sartre faz essa afirmação em uma palestra - que depois se transformará no livro "O Existencialismo é um humanismo" - que é uma tentativa de explicação "popular" do assunto, bem como uma apologia do Existencialismo, frente às acusações da sociedade da época. Talvez não se possa cobrar um rigor técnico excessivo na obra. Mas, é verdade, que o livro foi muito divulgado, cabendo algum reparo se essa interpretação fosse "errada demais".
Voltando ao livro... Cheguei à parte onde serão feitas consideração sobre o tempo. Depois eu conto mais.

quinta-feira, 9 de abril de 2009

Casa do Saber

A revista "Ciência & Vida - Filosofia" publicou, em seu último número, o artigo "Férias na Casa do Saber", onde descrevia alguns dos cursos ocorridos na Lagoa nos meses de janeiro e fevereiro. Um dos cursos citados, em destaque até, foi "Convite à Filosofia", ministrado por Alexandre Costa. Este curso, aliás, eu fiz. O professor Alexandre Costa é autor de "Heráclito - fragmentos contextualizados", que eu já tinha lido... e fiz questão de ter uma dedicatória autografada em meu exemplar. Além da simpatia, Alexandre tem muita competência filosófica em relação à Filosofia Antiga.
Vale a pena ficar de olho nos seus cursos, como o que ele já está ministrando sobre a ética da felicidade, baseada em Aristóteles, na Casa do Saber da Barra.
Mudando... mas ficando ainda na Casa do Saber.
Foi ótima a primeira aula do curso "Homem? Um problema para todos os tempos", que faço agora. A aula tratava dos pontos de vista de Nietzsche e Freud, sobre o homem. O professor Rafael Haddock Lobo falou do "inigualável" e polêmico Nietzsche; iniciou sua preleção sobre o pensador Freud e introduziu uma amiga sua, psicanalista, para completar a visão sobre este. As trocas foram incríveis! A Sra. Ana, amiga do professor, mostrou como a aproximação que se faz de Freud à Filosofia é passível de ser criticada.
Como não poderia deixar de ser, registrei minha paixão por quem considero o verdadeiro precursor da ideia de inconsciente em Freud, nosso querido Spinoza. A sua ideia das paixões que não podem ser tratadas com a mesma lógica da razão, por pertencerem a um "sistema" diferente, e sua percepção da inexistência do livre-arbítrio, porque não somos totalmente "razão" (sistema consciente), havendo coisas que "escolhemos" antes mesmo de "pensarmos em escolher", parecem-me totalmente compatíveis - e incrivelmente antecipadoras - com as ideias de Freud.
Portanto, ao invés de fazer o "exame de DNA" das ideias freudianas, procurando a paternidade em Nietzsche ou em Schopenhauer - pais que Freud renegou -, eu aposto que o "filho" é de Spinoza.

quarta-feira, 8 de abril de 2009

Harry Potter, Dawkins e o papa

Para quem imagina que eu vou escrever sobre três assuntos diferentes nesse post, por causa do título, eu digo que é sobre uma coisa só... envolvendo as três personagens citadas.
O "vínculo" entre o papa e o bruxinho vem da condenação do nosso querido Herr Ratzinger, enquanto ainda era só cardeal, à personagem de J.K. Rowling. Em 2003, após tomar conhecimento do menino-bruxo, Ratzinger escreveu que Harry Potter representaria "uma sutil sedução, pouco perceptível, que tem um efeito profundo e corrompe a fé cristã nas almas antes mesmo de elas poderem crescer".
Dá para rir um pouco, mas não é de escandalizar. Afinal, as opiniões de Sua Santidade sobre o mundo "real" são meio curiosas mesmo.
Por outro lado, a ligação de Dawkins com o bruxinho também acaba por merecer algumas risadas. Segundo conta o artigo, de Paulo Ghiraldelli Jr., "O Caça às Bruxas de um novo Auguste Comte", Dawkins estaria propondo uma pesquisa para verificar os efeitos "anticientíficos" provocados nos jovens, por conta de acompanharem a saga da irmandade de bruxos e seres afins da estória de J.K. Rowling.
Algumas passagens do texto de Ghiraldelli Jr.
"É claro que é engraçado ver Dawkins envolvido nisso, quase que como um Papa reacionário invertido... Tudo isso parece meio que 'fora do lugar'. Todavia, podemos notar que o modo como Dawkins atua, e que nos pareceria um tanto que desajeitado nos anos setenta e oitenta, ganhou sentido nos anos noventa. Ele é um personagem de um enredo gerado pela maneira como os setores conservadores cresceram no Primeiro Mundo, mesmo entre os mais escolarizados. Os conservadores radicalizaram suas propostas, começaram a falar absurdos, como o caso de quererem fazer um confronto entre aulas de biologia, onde se ensinava teoria darwinista da evolução, com aulas de religião, onde se ensinava a doutrina dos Evangelhos. A minha geração cresceu vendo tal debate um pouco sem sentido, uma vez que se estava comparando coisas de ordens diferentes. Todavia, hoje em dia o debate ganhou sentido, e então pessoas como Dawkins tinham de aparecer e, enfim, apareceram mesmo".
O filósofo brasileiro conclui o artigo dizendo: "O problema é que a atitude de Dawkins não ajuda, pois acaba por recriar uma espécie de guerra fria. Não estamos mais na guerra fria política entre comunismo e liberalismo, mas em uma guerra fria entre ateísmo e não-ateísmo, ou melhor, entre cientificismo e fundamentalismo religioso. Não sei se isso pode ser considerado um retrocesso ou um avanço em relação à guerra fria que encerramos, a dos anos cinqüenta e sessenta. Mas o fato é que não vejo nada de interessante ou inteligente nela. O mesmo maniqueísmo de sempre apontando para fogueiras semelhantes. Isso não pode acabar bem".
Eu acho que Ghiraldelli Jr. é muito feliz quando aponta a guerra entre CIENTIFICISMO e FUNDAMENTALISMO RELIGIOSO. Essa guerra, então, acaba sendo entre dois "fundamentalismos", e não mais entre duas "opções metafísicas", passíveis de tentativas de defesa com argumentos bem colocados.
Agora... para o Dawkins: Eu gosto dos seus escritos... mas o Harry Potter também é bem legal. Deixa o bruxinho em paz! Rssss.

terça-feira, 7 de abril de 2009

O peru indutivista

Essa é uma estorinha dedicada a mostrar como a ideia de que a ciência pode se fazer só com indução, ou seja, partindo de elementos concretos, encontrar uma ideia universal, não é muito bem aceita por todos.
Lá vai a estorinha, retirada da revista "Conhecimento Prático - Filosofia" desse mês.
Em uma fazenda, havia um peru que, todos os dias, no mesmo horário, recebia ração do mesmo homem. O peru não queria tirar conclusões apressadas e passou a observar se havia alguma regularidade no evento. O peru, então, viu passar dias de sol, de chuva, com neblina, feriados, finais de semana, até que finalmente pensou: "Eu agora posso dizer que amanhã, haja o que houver, receberei ração naquele horário".
Para tristeza do peru, o dia seguinte era 25 de dezembro... e o "peru indutivista" foi para o forno!
O problema do peru foi não ter lido David Hume, para quem a causalidade é apenas uma relação de costume/hábito. Não haveria, então, nenhuma relação intrinsecamente lógica entre causa e efeito.
Peru desinformado é uma coisa triste!

segunda-feira, 6 de abril de 2009

"Wagner em Bayreuth"

O título do post se refere, obviamente, à última das quatro "Considerações extemporâneas" de Friedrich Nietzsche, que está sendo publicada em separado, pela Editora Jorge Zahar.
Como se sabe, Nietzsche viveu uma relação de amor e ódio com o compositor Richard Wagner. Inicialmente, Wagner foi considerado por Nietzsche como o redentor da arte - interpretação presente em "O nascimento da tragédia". Mais tarde, entretanto, Nietzsche percebe que Wagner só queria fazer sucesso, mantendo o status quo, o que acaba por levar o "bigodudo" filósofo a escrever "O caso Wagner", onde atribui todas as características negativas da arte moderna - da sua época - ao compositor.
O que achei interessante destacar do texto publicado no Jornal do Brasil, de autoria do professor de Filosofia da UFRJ Alexandre Mendonça, comentando o livro, foi a passagem em que ele explica: "Uma das ideias centrais do ensaio é a de que, na sociedade industrial, a arte moderna, longe de atender a fins elevados, longe de promover o fortalecimento da vida, desempenharia principalmente a função de entretenimento, separaria o povo de suas necessidades profundas - seu mito, seu canto, sua dança, suas criações de linguagem... Em última instância, a arte funcionaria como um narcótico cujo objetivo seria aliviar o homem do esgotamento e do tédio de sua existência, cumprindo assim um papel político bem definido: o de produzir e aprofundar certas condições típicas do regime social do mundo moderno, mais especificamente, aquelas que convertem os homens em 'modernos trabalhadores', cada vez mais dóceis, mais humildes e mais estranhos a eles mesmos".
O pior é saber que as considerações nietzscheanas negativas se faziam, também, para a obra de um Richard Wagner. Imaginemos, só por um instante, Nietzsche assistindo a um episódio da "obra de arte" que é o Big Brother Brasil... ou ele ficava curado da loucura ou morria do coração!
Mas, voltando...
Entretanto, o que mais chama minha atenção é a ideia de que "a arte [no sentido criticado por Nietzsche]... longe de promover o fortalecimento da vida, desempenharia principalmente a função de entretenimento, separaria o povo de suas necessidades profundas... funcionaria como um narcótico, cujo objetivo seria aliviar o homem do esgotamento e tédio de sua existência... aprofundando certas condições... que convertem os homens... [tornando-os] cada vez mais dóceis, mais humildes e mais estranhos a eles mesmos".
É superimportante, portanto, que estejamos ligados nesse "efeito narcótico" de qualquer "elemento" que queira tomar a nossa vida de nós, tornando-nos "estranhos a nós mesmos" e, também por isso, tornando nossa existência mais esgotada e tediosa. Afinal, após passado o efeito do narcótico, a realidade quase nos intima a voltar para aquele estado de "semivivência" e torpor do "qualquer-coisa-alucinógena" - seja arte, ideologia política, convicção religiosa, futebol, etc.

sexta-feira, 3 de abril de 2009

"Frenesi polissilábico"

O título do post é meio "excêntrico", mas a ideia não é minha, e sim de Nick Hornby. O inglês em questão é autor de "Alta fidelidade" e de "Como ser legal" e, agora, lança o livro "Frenesi polissilábico".
Mas por que o tal sujeito está aqui no blog? A resposta tem a ver muito comigo. O fato é que Nick adora ler - de tudo -, mas compra mais livros do que consegue "dar cabo". O livro "Frenesi polissilábico" é uma compilação de uma coluna de jornal de Nick, onde ele lista os livros que comprou no mês e aponta aqueles que leu. O autor, então, divaga sobre o que leu e tenta descrever, do ponto de vista de um leitor comum, suas relações com as obras.
O subtítulo da coluna é "O diário de Nick Hornby: um leitor que perde as estribeiras, mas nunca perde a esperança".
Logo no começo do artigo do Jornal do Brasil, de onde tirei a ideia para este post, seu autor, Marco Antônio Barbosa, escreve: "Tantos livros, tão pouco tempo: eis o drama de todo leitor dedicado. O descompasso entre a quantidade de volumes que se adquire e o número deles que acaba sendo efetivamente lido pode causar angústia a muitos".
Estava falando de mim, Marco? Rssss.
Marco escreve ainda: "O texto leve do inglês serve como um desabafo em nome do leitor comum, que se culpa por comprar mais livros do que terá tempo de ler; que passa maus bocados ao enfrentar obras 'obrigatórias'".
Essas "obras obrigatórias", aliás, por vezes, ficam bem abaixo do que se espera quando começamos lê-las. Ainda bem que me dou o direito, embora assumindo minha ignorância estética e técnica sobre alguns assuntos, de dizer que simplesmente não gostei de um desses "obrigatórios"... quando é o caso, obviamente... e explicando o porquê. Senão, seria pura leviandade.
Eu não vou comprar o livro de Hornby, pois acho que tenho coisa melhor para ler, mas não me sinto culpado; afinal, vejam o que diz o próprio autor no fim da introdução: "Pelo amor de Deus, largue este livro. Você nunca chegará ao final dele. Comece a ler outra coisa".
Ok, Sr. Hornby... conselho aceito!

quinta-feira, 2 de abril de 2009

Já que o assunto é retórica...

A revista "Conhecimento Prático - Filosofia" deste mês traz o artigo "A arte de palavrear", justamente sobre o tema abordado no último post. O enfoque maior da revista é o uso da retórica enquanto ferramenta política. De qualquer forma estabelece-se uma visão geral do assunto.
O artigo informa que em "Retórica", Aristóteles já dividia o assunto em três: retórica política (ou deliberativa); retórica forense (ou legal) e retórica epidíctica (aquela que censura ou louva determinado elemento).
Citado como bom usuário da retórica, Barack Obama merece o seguinte comentário do cronista português José Manuel dos Santos: "Ouvir Obama é voltar a ler a 'Retórica' de Aristóteles. Ele convence porque argumenta, porque emociona e porque há um 'eu' que diz 'vós' e é reconhecido". José Manuel mostra que Obama persuade sua audiência pelo "logos" (apelo à razão); "pathos" (apelo às emoções) e pelo "ethos" (apelo calcado na reputação de quem pronuncia o discurso). Ou seja, envolvendo-nos por todos os lados, o bom orador nos convence da "sua" verdade.
A matéria tem um fechamento muito interessante, sobre o qual vale refletir um pouco, tanto para não cair nas armadilhas dos que fazem uso da retórica, quanto para não correr o risco de "demonizá-la" descuidadamente.
Está escrito: "Para o professor da UFRB Fábio Duarte Joly, mesmo que o senso comum ligue retórica à enganação, se as pessoas souberem avaliar os discursos políticos tendo em vista sua construção retórica, elas terão meios suficientes para analisar melhor um determinado político. Dessa forma, torna-se óbvio que a retórica, por si só, não é boa ou má. Bons ou maus são aqueles que se utilizam dessa arte com, ou sem, suas próprias noções de integridade".
A revista apresenta, também, algumas considerações sobre a Filosofia da Arte... mas isso, eu comento depois!

quarta-feira, 1 de abril de 2009

A "beleza" da retórica

Há alguns dias, citei a coluna de Míriam Leitão sobre a desvalorização da mulher, infelizmente, ainda atual. Míriam se indignou com os casos de violência contra a mulher, citando alguns específicos, dentre os quais o da menina de nove anos do Recife. Por coincidência, chegou às minhas mãos uma notícia veiculada no jornal O Dia, de meados de março, dando conta de que o Vaticano declarara que o aborto na menina não era caso de excomunhão. Fiquei feliz com essa informação. Nem me importava se a real intenção fosse apenas apacentar a opinião pública, mesmo a católica, que se "insurgiu" contra esse ato da Igreja. O importante é que algum ser-humano de verdade no meio católico, utilizando a "luz natural" - dada, aliás, por Deus para garantir nossa humanidade... assim o veem muitos teólogos -, pôde perceber o "engano" da excomunhão da mãe e dos médicos.

Fiquei feliz, como disse, mas desconfiado. Fui ler o artigo original, publicado no L'Osservatore Romano, de autoria de Rino Fisichella, arcebispo presidente da Pontifícia Academia pela Vida.

Encontramos um exemplo de retórica bem aplicada, o que talvez não tenha sido bem entendido pelo jornal O Dia.

É verdade que o arcebispo Fisichella mostra grande lucidez quando começa da seguinte forma (a tradução é livre e minha): "O debate de algumas questões se dá de modo muito fechado e as diferentes perspectivas nem sempre permitem considerar o quão grande está posto em jogo verdadeiramente. Neste momento se deve guardar o essencial e, por um instante, deixar aquilo que não diz respeito diretamente ao problema".

O arcebispo continua sua manifestação mostrando compaixão pela menina, que ele ficticiamente chama de Carmen: "Carmen, que vinha sendo violentada repetidamente pelo padrasto, ficou grávida de gêmeos e não tinha uma vida fácil. A ferida é profunda, porque a violência, totalmente gratuita, a destruíu por dentro e dificilmente permitirá no futuro que olhe os outros com amor".

Até aqui, tudo bem. Mas, então, começa um "movimento" retórico do autor que não me agrada muito, quando informa que a estória da menina é mais uma estória da violência quotidiana, que ganhou as páginas dos jornais somente por causa do arcebispo de Olinda e Recife, quando este se apressou em declarar a excomunhão dos médicos. Diz ele: "Uma estória de violência que, por pouco, passaria inobservada... se não fosse pelas reações suscitadas à ação do bispo". Assim, a ação do bispo - tão reprovada por todos - começou a se tornar um "sinalizador" positivo da violência contra a criança.

Para fazer o "contraponto" retórico, o autor volta ao bom senso: "Antes de pensar na excomunhão, seria necessário e urgente salvaguardar a sua [da menina] vida inocente e repô-la em um nível de humanidade, do qual nós, homens da Igreja, devemos ser anunciadores e mestres".

O movimento "manipulador" final parece iniciar-se em: "É verdade, Carmen portava dentro de si outras vidas inocentes como a sua, ainda que fruto da violência, e que foram eliminadas". E continua: "A moral católica tem princípios dos quais não pode prescindir, ainda que o quisesse. A defesa da vida humana desde a sua concepção pertence a um destes."; para depois informar que "o aborto provocado sempre esteve condenado na lei moral como um ato intrinsecamente mau e este ensinamento permanece imutável desde os primórdios da Igreja até os nossos dias"; e para concluir: "A colaboração formal constitui uma culpa grave que, quando é realizada, leva automaticamente à exclusão da comunidade cristã. Tecnicamente, o Código de Direito Canônico usa a expressão 'latae sententia' para indicar que a excomunhão se dá exatamente no momento mesmo em que o fato é realizado. Não era necessário, afirmamos, tanta urgência e publicidade para declarar um fato [a excomunhão] que se dá de maneira automática".

Ou seja, ao termo da mensagem, vê-se que os médicos foram, sim, excomungados - afinal, esse é um resultado "automático" de sua ação -; que o possível engano do arcebispo de Olinda e Recife foi, talvez, declarar com tanta "urgência e publicidade" a excomunhão e que, de modo muito positivo, essa atitude dele - que pareceu "atrapalhada" - resultou na discussão sobre a violência quotidiana contra as meninas, o que passa despercebido por nós.

E viva a retórica!
PS. Para quem quiser ler o original, o endereço é http://www.vatican.va/news_services/or/or_quo/commenti/2009/062q01b1.html