quinta-feira, 14 de maio de 2009

Transição e ceticismo

Já comentei aqui que acho os momentos de transição muito ricos em possibilidades de estudo. Disse que a presença de uma tradição confrontada com um pensamento revolucionário que se expande com certa maturidade revela uma tensão muito interessante para quem se dedica ao estudo do pensamento.
Volto ao assunto, agora, para mostrar que há uma escola filosófica que sempre sai ganhando nesses embates: o Ceticismo.
Normalmente, adversários se reúnem para combater um "inimigo maior", ainda que aqueles que se uniram não tenham tanta admiração uns pelos outros. Essa é uma forma de poderem trazer à luz suas ideias, normalmente sufocadas pelo "inimigo maior" e, posteriormente, estarem livres para convencer seus ouvintes das suas próprias verdades, em detrimento daquela dos seus "ex-aliados", no momento futuro novamente adversários.
Para quem olha o tempo em que dura essa co-existência conflituosa entre tradição e "revolução", fica a impressão de que o chão está tremendo. Os "pontos fixos" de até então vão se esboroando e as incertezas aumentando. A crise se instala.
A palavra grega krisis tem justamente o sentido de "escolha, seleção, decisão". E, para decidir, é preciso investigar as possibilidades, ou seja, é preciso ser um skeptikós - aquele que investiga, que analisa com cuidado. Nesse embate entre muitas escolas, entretanto, pode-se chegar à conclusão que, rejeitada a tradição, não há certeza sobre nenhuma das alternativas apresentadas. Neste ponto, pode ser necessário realizar uma epoché, ou seja, uma suspensão do juízo sobre a melhor escolha, e continuar refletindo continuamente sobre ela.
Então, imagino que, pelo menos nos tempos de revolução do pensamento, melhor do que largar o que "sabemos-que-não-é", agarrando-nos imediatamente ao que "não-sabemos-se-é", é melhor adotarmos uma postura de adiamento proposital da decisão... isto é, adotarmos o Ceticismo.
Essa posição foi a de pensadores como Montaigne e Erasmo, na época do Renascimento, quando se instalou uma crise existencial (os homens percebendo que o mundo poderia não ser finito e que eles poderiam não ser centro de nada); uma crise religiosa (com a Reforma Protestante propondo novas interpretações da doutrina, tirando a força da Igreja Católica) e uma crise política (quando o Sacro Império Romano Germânico e várias instituições tradicionais vão perdendo força para unidades mais "nacionais", com novas relações sociais). O ceticismo filosófico foi, então, uma alternativa "saudável" para essa falta de referências.
Pergunto-me se, no momento atual, em meio a tantas "certezas" diferentes e conflitantes, não seria o momento de retomarmos, pelo menos metodologicamente, o Ceticismo.
São tantos "ismos" apelando pela nossa adesão... todos tão parecidos com os "ismos" que se vão... que é melhor assumir nossa momentânea indecisão teórica.

3 comentários:

Júlio disse...

Ricardo, o único problema que vejo no ceticismo é essa falta de pragmatismo. Como é ser cético num mundo de escolhas necessárias?
Espero resposta dessa e das outras.
SDS.

Ricardo disse...

Amigo Júlio:
Eu acho que o Ceticismo implica uma predisposição crítica na abordagem de qualquer problema. Ele não paralisa "eternamente"; mas faz com que se dê um passo atrás no "automatismo" decisório. Tanto nas situações teóricas quanto nas práticas é só o dar-se um tempo para decidir o que escolher.
É óbvio que, em relação à teoria, esse tempo pode ser muito maior. Na prática, exige-se um limite para esse lapso temporal. Mas, mesmo assim, acho que isso é possível.
A vida continua necessitando ser vivida, enquanto o cético pensa sobre as possibilidades de escolha. Há, entretanto, que se perceber que (conforme afirma o Princípio de Pareto) poucas coisas têm muita importância, enquanto muitas coisas têm pouca importância. Na decisão sobre se vou ou não assistir ao jogo na televisão, amanhã, estão envolvidas poucas coisas realmente importantes para a minha vida. Desta forma, um cético não precisa paralisar seu pensamento para decidir sobre isso. Basta fazer uma leve reflexão e decidir. Já sobre um casamento, a coisa fica mais séria. Então, é bom pensar bastante mais... ainda sem paralisar tudo para decidir, ou ficar adiando eternamente a decisão por não se sentir em condições de ter todas as variáveis possíveis sob controle.
Já quanto a questões metafísicas, por exemplo, podemos continuar pensando indefinidamente... até o dia de nossa morte. Isso não quer dizer que não possamos, momentaneamente, pelo menos, escolher uma determinada posição. Mas o cético sempre a colocará sob o foco da crítica, ao contrário do dogmático.
Por isso, acho que é possível, sim, ser um cético num mundo de escolhas necessárias.

Ricardo disse...

Ah... Júlio, estou começando a preparar o pagamento de minhas dívidas com você.
Fique de olho no blog!