quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

"A falta de uma alternativa de esquerda"

Renato Janine Ribeiro escreveu uma matéria com o título que reproduzi acima, na revista "Filosofia - Ciência & Vida" deste mês.
No texto, Renato Janine fez uma análise interessante - embora eu ache que possamos refletir um pouco mais em alguns pontos - sobre a atual ausência de uma proposta séria de substituição do neoliberalismo por parte do pensamento de "esquerda".
A matéria começa com a seguinte afirmação: "Um ano atrás, desabou a utopia neoliberal". Frase forte! Mas será que desabou mesmo? Será que, vez por outra, talvez até por excesso de confiança no sistema, não ocorrem mesmo "economotos" (um "terremoto econômico")? Particularmente, acho que esse foi mais um e que, de modo algum, a "utopia neoliberal" desabou... até pelo fato que o sistema neoliberal tem muito pouco de utopia, estando presente na realidade de modo bastante pragmático e vivo.
Depois, Renato constata o fato de que essa falta de alternativa já vem de longe, identificando quando se deu o "fim" efetivo do comunismo/socialismo, numa boa explicação histórica. Escreve ele que "a esperança no comunismo resistiu até mesmo à crueldade de Stalin e Mao Tse-tung. Mas o que marcou o seu fim foi a destruição da experiência do comunismo (ou socialismo) 'com rosto humano', efetuado na então Tchecoslováquia, em 1968". E aí, conta que, no início de 1968, o Partido Comunista destituiu o velho ditador tcheco Antonin Novotny, assumindo o poder, em seu lugar, Alexander Dubcek. A partir daí, conquistou-se a liberdade de imprensa e foram denunciados os vinte anos de abusos da ditadura. Essa foi a chamada "Primavera de Praga". A parte ruim da história vem a seguir dessa discussão de um comunismo democrático, contada da seguinte forma: "Isso acabou em 21 de agosto de 1968, quando tropas da União Soviética... invadiram a Tchecoslováquia".
Aliás, para quem quer reviver um pouco aquele "clima" da Primavera de Praga, vale a pena ver o filme - ou ler o livro - "A insustentável leveza do ser", de Milan Kundera.
A última reflexão de Renato Janine diz respeito a uma possível contradição teórica marxista: a supressão do Estado e a necessidade de um ente que fale em nome da sociedade.
Realmente, não sei como Marx teorizou essa "substituição". A visão ortodoxa, seguindo a linha leninista, colocou no lugar do Estado burguês o partido único. Rosa Luxemburgo, teorizou, logo no início da Revolução Russa, ainda segundo Renato Janine, que só haveria socialismo democrático se os partidos não socialistas fossem permitidos. E o autor registra sua opinião de que "a teoria marxista sairia chamuscada de qualquer debate sobre um socialismo democrático". E avança, ao escrever: "Teria que se combinar com teorias, até mesmo liberais... O socialismo precisa do liberalismo, o que Marx nunca aceitaria".
Renato reforça a impossibilidade, senão teórica, pelo menos prática, da compatibilidade entre socialismo e liberdade. Ele conclui seu texto, resumidamente, da seguinte forma: "Depois de 1968, os exilados se interessaram cada vez menos por Marx. O filósofo polonês Leszek Kolakowski [Ele apareceu novamente, hein, pessoal!] ou a húngara Agnes Heller, que comentaram o marxismo, tomaram novos rumos. Os tchecoslovacos, nem se fala... O socialismo se dividiu, no século XX, entre comunistas, que queriam acabar com o poder do capital, mas eram antidemocráticos, e social-democratas, que respeitavam as liberdades, mas conciliavam com o capital... O comunismo democrático não chegou sequer a engatinhar. Não estranha que, hoje, o marxismo não consiga propor nada consistente no vazio do neoliberalismo".
Como eu registrei antes, não sei se essa absoluta impossibilidade da compatibilidade entre socialismo e liberdade, que Renato Janine identifica, é estrutural, ou se fica apenas no plano da constatação histórica da prática socialista. Imagino que, pelo menos em tese, o socialismo deveria garantir justamente uma maior participação do povo, com uma certa liberdade. Há que se pensar que haveria necessariamente, de acordo com as teses marxistas, um período chamado "ditadura do proletariado", onde a força estaria presente, a fim de dar continuidade ao processo de socialização. Quem sabe, vencida essa fase, as coisas pudessem começar a se modificar...

Nenhum comentário: