sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Outra perspectiva de Filosofia vs. Mito

Sempre que se fala do nascimento da Filosofia, lá nos idos do século VI aC, na Grécia, registra-se o contraponto entre as perspectivas mítica - até então exclusiva - e a filosófica. Esse é o começo "padrão" das nossas aulas de Filosofia.
Entretanto, normalmente o que se faz é, quase exclusivamente, destacar a Cosmogonia mítica em oposição à busca pela "arché" dos primeiros filósofos. Ficamos, então, com uma polarização entre um mundo criado por deuses, ou seja, que possui um fundamento "sobrenatural", e um mundo que possui um fundamento "incrustado" na própria Natureza/Physis, portanto, um fundamento natural, apenas.
O que, muitas vezes, se perde é a noção de que, embora essa dimensão realmente tenha existido, houve uma outra "região" afetada pelo advento da Filosofia, que talvez seja muito mais importante que esta: a liberdade do homem no seu quotidiano.
Quem tomou contato com as lendas míticas que envolvem a estória de Tróia - narrada na Ilíada, de Homero -, percebe quão "acorrentada" às vontades divinas estava a vida do indivíduo. A visão mítica da realidade era tão preenchida de superstição que tudo só podia ser explicado pelos desígnios das divindades. Até mesmo dos conflitos desses mesmos desígnios, por conta das diferentes vontades dos diversos deuses envolvidos na relação com a realidade e com os seres humanos.
Basta lembrar, por exemplo, que a Batalha de Tróia começa muito antes de Páris raptar a formosa Helena, com uma disputa entre três deusas, para saber quem é a mais bonita. O "pastor" Páris acaba por ser o juiz da questão, obviamente enfurecendo as outras duas candidatas a "Miss Olimpo".
Se andarmos mais para trás, Cassandra, filha do rei Príamo, que tinha visões premonitórias, já tinha vaticinado que, caso seu jovem irmão não fosse morto, Tróia viria a ser destruída. O rei mandou apenas abandonar o jovem príncipe, que viria posteriormente a ser o "pastor" Páris.
Ainda nessa estória, temos o insano sacrifício da própria filha Ifigênia, pelo rei Agamênon, a fim de que os deuses permitissem o aparecimento dos ventos, possibilitando a partida dos seus navios rumo à Tróia.
Então, quando Tales de Mileto - o primeiro filósofo que a História registra - prevê um eclipse e, muito mais ainda, quando consegue identificar  que haverá uma grande colheita de azeitonas, de modo perspicaz, torna-se arrendatário da maior parte das prensas para produção de azeite e consegue ficar "milionário", ele confirma a liberdade humana diante das vontades divinas.
É interessante registrar que essa libertação da superstição e da total submissão do quotidiano à vontade dos deuses acaba por levar Tales a ser acusado de "ateu" - viram como isso é antigo? -, por Simplício, comentador do filósofo milesiano e de outros pré-socráticos.
Ainda bem que ninguém teve a ideia de antecipar as fogueiras da Inquisição Católica, para queimar um acusado de "ateísmo" numa Inquisição Pagã! Rsss.

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