terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Spinoza, por Onfray (2)

Continuando o post anterior.
Onfray reconhece a agudez do pensamento spinozano, quando diz que "contrariamente a Descartes, que concebe a razão moderna mas a dispensa de funcionar sobre as questões religiosas e políticas, Espinosa não reconhece nenhum limite: os problemas da fé, de crença, de cristianismo, de piedade, de milagres, de prece, ou os da república, do Estado, da democracia, da monarquia, do soberano, do príncipe, sua pena faz passar pelo exame de uma razão eficaz, empregada como uma ferramenta de emancipação e de liberdade".
Bela passagem sobre a ousadia, a força e a profundidade do pensar spinozano!
Onfray diz ainda que "o cartesianismo de Espinosa é heterodoxo... Espinosa toma... de Descartes uma razão bem conduzida a fim de alcançar certezas claras e distintas".
É bem verdade que Spinoza pretende alcançar a "ideia adequada", o que equivaleria à "ideia clara e distinta" cartesiana. Mas, a bem da verdade, muito mais do que um "cartesiano heterodoxo", Spinoza é "absolutamente spinozano". Sua concepção de mundo já se aparta da de Descartes mesmo quando ele escreve uma obra explicando o "Princípios Filosóficos" do próprio Descartes.
Onfray cita a exegese bíblica spinozana. Aliás, sempre gosto de lembrar que Spinoza é o primeiro a caminhar, com conhecimento verdadeiro (de grego, latim e hebraico), sobre esse terreno. Entretanto, parece-me que Onfray comete um pequeno engano neste ponto. Diz ele que "a pastoral cristã faz um uso abundante do Inferno... Espinosa identifica o inferno com as paixões nefastas. Humanas, demasiado humanas, muito humanas...".
Ao dizer que Spinoza "identifica o inferno com as paixões nefastas", Onfray se engana por dois motivos. O primeiro é que o Inferno, na "pastoral cristã" é um castigo, ou seja, efeito de comportamentos ruins; enquanto as "paixões" são, elas próprias, o "erro", portanto, uma causa. Em segundo lugar, o juízo de valor de Spinoza não recai sobre as "paixões nefastas", mas sobre as "paixões em si mesmas", que são uma prova de passividade do ser humano. O "pathos" (paixão) é passividade, é falta de "potência existencial", o que, por si só, é "nefasto", idependentemente de que qualidade seja atribuída à tal "paixão".
Depois, Onfray cita uma posição spinozana que vem desde o "Breve tratado sobre Deus, o homem e a felicidade", indicando que "os milagres [são] impossíveis, porque nada na natureza pode acontecer contrariamente à natureza... Os homens chamam milagres efeitos cujas causas ignoram". E, como eu sempre defendi, é melhor não "inventar" explicações, reconhecendo o desconhecimento de algo, do que remetê-lo a explicações sobrenaturais. Onfray diz: "O que ultrapassa a compreensão humana deve permanecer um enigma, sem com isso gerar uma resposta abracadabrante".
Importante destacar - e Onfray o confirma - que tudo é natural. O sobrenatural é apenas o natural enquanto desconhecido. E aí estão a imanência e o racionalismo spinozanos.
Aguardem o "Spinoza, por Onfray (3)"!

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