quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

"Os piores cenários possíveis" (1)


O cientista social, diretor de pesquisas do "Centre National de la Recherche Scientifique", na França, Michael Löwy, escreveu um artigo com o título do post no Le Monde Diplomatique deste mês.
O texto faz um diagnóstico do momento presente da nossa relação com o ambiente; considera o cenário futuro, caso nada seja feito, e, mais importante do que isso, apresenta o que ele chama de "Alternativa Ecossocialista".
Sem entrar no mérito se o mais importante é adotar a tal alternativa "Ecossocialista" - que, por si só, já embute uma opção política, a socialista -, não se pode negar que alguns dos itens abordados parecem ações altamente possíveis de se tornarem concretas.
O autor, inicialmente, indica que "tudo está mais rápido do que se previa [...] Não se fala mais sobre o que vai acontecer no final do século... mas nos próximos 20, 30 ou 40 anos". Explica-se que "Essa aceleração pode ser explicada, entre outras coisas, por efeitos de realimentação", e dá exemplos: "1) o derretimento das geleiras do Ártico... diminuindo... o grau de reflexão da irradiação solar (ele atinge seu máximo nas superfícies brancas), só pode aumentar a quantidade de calor absorvida pelo solo [...] 2) a elevação da temperatura do mar transforma superfícies dos oceanos em desertos sem plâncton nem peixes, o que reduz sua capacidade de absorver o dióxido de carbono" (esse tal dióxido de carbono irá permanecerá na atmosfera, agravando o aquecimento). Apresentam-se dados do IPCC (Painel Internacional de Mudanças Climáticas) e a conclusão de Mark Lynas de que "um planeta com seis graus a mais seria bem pior que o Inferno descrito por Dante em A divina comédia". E, de acordo com o relatório do IPCC, a elevação da temperatura pode ultrapassar esse parâmetro, que é, até agora, o máximo previsto.
Um outro dado interessante - e que pode começar a convencer os incrédulos - é que "todos esses processos começam de maneira gradual, mas a partir de um determinado momento podem se desenvolver por meio de saltos [...] com grande variação rápida e incontrolável do aquecimento".
O autor se assume marxista, com isso, obviamente, culpa o capitalismo pela incapacidade de inverter o curso das coisas.  Com a sua opção, exige "uma mudança radical e estrutural, que atinja os fundamentos do sistema capitalista: uma transformação não só das relações de produção, mas também das forças produtivas"; parece fazer eco ao nosso amigo do blog, Existenz, quando diz que essa mudança "envolve uma revolução do sistema energético e de transportes e dos modos de consumo atuais, baseados na dilapidação e no consumo ostentatórios, induzidos pela publicidade. Em suma, trata-se de uma mudança do paradigma da civilização". Não quero dizer que Existenz ratificaria toda essa passagem citada, mas, parece-me concordaria com sua essência.
O trecho onde Michael explica o novo "sistema ecossocialista" é o seguinte: "a produção será democraticamente planejada pela população; ou seja, ... as grandes decisões sobre as prioridades da produção e do consumo não serão mais decididas por um punhado de exploradores, ou pelas forças cegas do mercado, nem pela oligarquia de burocratas e especialistas, mas pelos trabalhadores e consumidores. Em síntese, pela população, após um debate democrático... entre diferentes propostas. É o que designamos ecossocialismo". E ele ainda explica um pouco mais: "Ecossocialismo... é uma corrente de pensamento e de ação... que toma para si as conquistas fundamentais do socialismo - ao mesmo tempo livrando-se de suas escórias produtivistas. Para os ecossocialistas, as lógicas do mercado e do lucro, assim como a do autoritarismo burocrático inflamado, o 'socialismo real', são incompatíveis com as exigências de salvaguarda do ambiente natural".
Particularmente, penso que uma decisão desse tipo só poderia partir de uma sociedade plenamente participativa e consciente de todas as variáveis envolvidas na questão... o que acho impossível ocorrer na maioria dos países que obrigatoriamente se envolverão nessa decisão - que, lembro, é de nível mundial. Mas acho que essa pode ser uma meta... desde que se pense na adoção de tal sistema.

Depois, eu continuo!

6 comentários:

Anônimo disse...

Olá Ricardo. De fato minhas opiniões sobre o assunto parecem ter forte semelhança com o que você está apresentando de Michael Löwy. No entanto, eu não o conheço, então não sei até que ponto vai o alcance de sua crítica, e, além disso, tenho minhas ressalvas em relação ao que conheço de Marx, principalmente no que tange a seu determinismo histórico, ao maniqueísmo no qual deixou submetidas todas as relações sociais, e a um certo apelo para uma verdade única que pode, perigosamente, tender para um sistema repressivo, antidemocrático e concentrador de poder. No entanto, pelo que você está mostrando, Michael também parece ter ressalvas em relação a um viés totalitário e antidemocrático do que se costumeiramente chama de “comunismo”. Então, frente a estas indagações, ficarei aguardando o seu próximo texto “da série”. Um abraço.

Anônimo disse...

Agora, falando da sua posição no parágrafo final do seu texto, eu também compartilho. Um abraço.

Ricardo disse...

Querido amigo Existenz:
Talvez, a primeira dificuldade em "enxergar" o "marxismo de Marx" seja retirá-lo do meio do "entulho" do leninismo. Talvez, uma tentativa bem sucedida de fazer isso tenha sido a de Gramsci. Mas terei que ler mais sobre esses "marxismos heterodoxos", e até mesmo sobre o próprio "marxismo de Marx".
Quanto ao determinismo histórico, acho que você tem total razão no seu "pé atrás". Talvez até parte da história possa ser explicada por essa dialética materialista, mas não sei se esse movimento é tão natural e previsível, como teorizava Marx.
Você também usou uma expressão interessante quando falou das "relações sociais" submetidas ao "maniqueísmo". Acho que você, não sei se totalmente de propósito, mas o fato é que o fez, alcançou uma perspectiva interessante que foi um juízo de valor, para Marx, de que o trabalhador é sempre representante do Bem, enquanto o dono do capital é sempre representante do Mal. De alguma forma, isso não repercutiria a "moral do rebanho" de Nietzsche?
Acho que o marxismo pode render boas discussões, não como sistema a ser defendido, mas, pelo menos, como crítica ao sistema "exageradamente" capitalista em que vivemos, onde tudo se submete ao capital, inclusive as relações humanas.
Obrigado por todas as contribuições.
Um grande abraço, não só para você, mas também para o seu irmão. E... ainda em tempo, Feliz 2010!!!

Anônimo disse...

Olá Ricardo. Concordo com a dificuldade de se olhar Marx além do que foi agregado pelo leninismo ou mesmo pelos que se auto denominam marxistas: parece haver mais riqueza nos escritos de Marx do que o que está “na cartilha” defendida por aqueles velhos grupos que se dizem fiéis a ele. Também acredito que talvez a maior contribuição de Marx seja a respeito de algumas de suas críticas em relação a esse capitalismo “exagerado”, como você colocou. Um trecho me agradou particularmente: “sistema ‘exageradamente’ capitalista em que vivemos, onde tudo se submete ao capital, inclusive as relações humanas”. Até agora parece que estamos alinhados.

A minha alusão sobre o maniqueísmo de Marx cai exatamente naquilo que você falou, mas não sei se eu agregaria Nietzsche à história, afinal, a moral nietzscheniana defende um tipo “meio as avessas” do que é o maniqueísmo marxista, porém, obviamente, sem dizer respeito a relações econômicas, como ocorre em Marx. De qualquer forma, cai-se em outro maniqueísmo, que também é bastante problemático a sua maneira.

Também desejo a você um grande 2010, como a todos os outros amigos do blog.
Um abraço.

Ricardo disse...

Amigo Existenz:
Parece que as coisas se encaixam bem quando nosso debate se dá no campo ético e político. Acho que nosso grande afastamento ocorre quando o debate gira em torno da metafísica. Kant é outro campo de batalha nosso. Enquanto eu o enxergo - falando especificamente da Crítica da Razão Pura - de um modo, você tem visão completamente diferente.
Até mesmo no que mais nos separava de início - o meu possível racionalismo exagerado, para você, e seu, talvez, idealismo estranho, para mim - acho que já houve aproximações interessantes. Se o movimento não se deu daí para cá, certamente houve um deslocamento meu em sua direção. E isto, reconheço, foi um crescimento em minhas posições filosóficas.
Então, depois de agradecer, mais uma vez suas participações, quero esclarecer algo que, talvez, não tenha ficado bem claro no meu último comentário.
Quando eu incluí Nietzsche na estória, não foi para criticar o bigodudo, mas sim para identificar em Marx uma possível falha teórica. O que me pareceu foi que Marx acabou repetindo o espírito da moral cristã que tanto rejeitava. Digo isto porque ele mostrou que historicamente havia sempre um lado que oprimia e outro que se subordinava àquele - como os senhores e os escravos, os donos dos feudos e seus vassalos, os capitalistas e seus empregados -, e este último alcançará a redenção ao final da história - no céu, para os cristãos, e na Terra, para Marx.
Aí, penso, caberia a crítica nietzscheana, feita originalmente ao Cristianismo, de que a divisão entre o Bem e o Mal, que seria algo parecido com a divisão marxista em "opressor" e "oprimido" (os termos são meus, e não de Marx), espelha a "moral do rebanho". Isto é, quem não tem "potência" para ser "predador" inventa valores como que espelham sua fraqueza colocando-os como bons e associa qualidades do "mais forte" à maldade.
Espero que tenha ficado melhor explicado, agora.
Abração.

Anônimo disse...

Olá Ricardo.
A respeito das nossas diferenças filosóficas: já faz algum tempo que não entramos a fundo nesse assunto, mas pelo que percebi da última vez houve realmente certas mudanças da sua parte, mesmo que eu ainda não tenha identificado com exatidão. Na nossa última carta sobre esse assunto você chegou a começar a esboçar um pouco de uma filosofia que pretendia dar conta do realismo, mas sem cair em algum tipo de realismo empírico, do qual você mesmo intitulou de “realismo crítico”. O pouco que vi já me agradou bastante, mesmo que eu ainda tenha minhas ressalvas, como você pôde notar na minha carta de resposta.

A respeito de nosso alinhamento nos planos ético e político acho que você têm razão, mas, ainda sendo fiel a esse alinhamento, discordaria da entrada mais “filosófica” (o que quer dizer o aspecto mais propriamente ontológico das tipificações sociais) da sua abordagem. Concordo plenamente que Marx acabou repetindo a moralidade cristã do qual abominava, mas Nietzsche também faz a mesma coisa, só que as avessas. Logo, ao meu ver, ambos, a sua maneira, não conseguiram fugir da mesma mentalidade maniqueísta, oriunda da mesma “fonte”, e por isso que eu disse que “não sei se eu agregaria Nietzsche à história”.
Um abraço.