Quem viu o título do post deve ter estranhado a inclusão de dois homens tão distantes unidos pelo conectivo "e". Explico...
Os que me conhecem sabem que não tenho "competência" poética. Mas... talvez por um pouco de abuso, gosto de, vez em quando, dar uma lida em poesia. E, recolhendo-me à minha insignificância, apenas aproveito o que agrada meu despreparado senso estético.
Desta vez, fui ao famoso "I-Juca Pirama", do não menos famoso Gonçalves Dias (1823-1864), nosso principal poeta romântico da primeira geração. Sinceramente, não lembrava do conteúdo. Apesar da distância dos anos de meu ensino médio (antigo segundo grau), poderia exigir um pouco mais da minha fraca memória. Mas... o fato é que não lembrava mesmo.
Para quem também não lembra, o poema - muito bonito - conta a estória de um guerreiro tupi que acaba aprisionado por uma tribo inimiga, de antropófagos, a dos Timbiras. Preocupado com seu pai cego, que ele havia deixado na floresta, passa por covarde, pedindo clemência. É livre e vai ao encontro do pai. Este pergunta o porquê da demora e, como não lhe mente o filho, acaba por perceber que o rapaz fora libertado por pena, o que não seria condizente com sua fama de grande guerreiro. Entristecido, ordena ao filho que o conduza até o local de onde veio. Dirige-se ao chefe timbira, indicando que trouxera o filho a fim dele ser sacrificado e morrer com honra. O chefe diz que não poderia comer a carne de um homem fraco, que chorara pela sua vida. O velho tupi, que também tivera fama de grande guerreiro, se enfurece com o filho e profere uma espécie de "maldição".
E é aqui que esse post se explica. A força das palavras do velho guerreiro lembra a do anátema proferido contra o nosso querido luso-holandês. Diz o velho tupi:
"Possas tu, isolado na terra,
Sem arrimo e sem pátria vagando,
Rejeitado da morte na guerra,
Rejeitado dos homens na paz,
Ser das gentes o espectro execrado;
Não encontres amor nas mulheres,
Teus amigos, se amigos tiveres,
Tenham alma inconstante e falaz!
Não encontres doçura no dia,
Nem as cores da aurora te ameiguem,
E entre as larvas da noite sombria
Nunca possas descanso gozar;
Não encontres um tronco, uma pedra,
Posta ao sol, posta às chuvas e aos ventos,
Padecendo os maiores tormentos,
Onde possas a fronte pousar.
Que a teus passos a relva se torre;
Murchem prados, a flor desfaleça,
E o regato que límpido corre,
Mais te acenda o vesano furor;
Suas águas depressa se tornem,
Ao contato dos lábios sedentos,
Lago impuro de vermes nojentos,
Donde fujas com asco e terror!
Sempre o céu, como um teto incendido,
Creste e punja teus membros malditos,
E oceano de pó denegrido
Sela a terra ao ignavo tupi!
Miserável, faminto, sedento,
Manitôs lhe não falem nos sonhos,
E do horror os espectros medonhos
Traga sempre o cobarde após si.
Um amigo não tenhas piedoso
Que o teu corpo na terra embalsame,
Pondo em vaso d'argila cuidoso
Arco e flecha e tacape a teus pés!
Sê maldito, e sozinho na terra;
Pois que a tanta vileza chegaste,
Que em presença da morte choraste,
Tu, cobarde, meu filho não és".
Para quem ainda não lembrou, aí vai o fim da estória.
O velho pai, entristecido e cansado, para. De repente, ouvem-se gritos. O seu filho guerreiro, livre do peso da preocupação com seu pai, antes abandonado a morrer no meio da floresta, põe-se a lutar. A imagem poética produzida por nosso Gonçalves Dias é maravilhosa: "Quantas vagas de povo enfurecido/Contra um rochedo vivo se quebravam". E, diante da fortaleza do "rochedo vivo", o chefe dos Timbiras ordena que seu povo pare. Pai e filho se abraçam. O velho, então, reconhece no filho o guerreiro de outrora. Nova linda imagem poética: "Este, sim, que é meu filho muito amado!/E pois que o acho enfim, qual sempre o tive,/Corram livres as lágrimas que choro,/Estas lágrimas, sim, que não desonram".
E, logo eu, vou acrescentar algo? Eu, não!