quinta-feira, 29 de outubro de 2009

"Caim", de Saramago, lido

O livro é relativamente pequeno, aproximadamente 170 páginas, e a leitura flui bem. Portanto, não foi difícil chegar ao mim desta obra do fantástico autor que é Saramago.
A conclusão é que Saramago foi muito criativo e muito perspicaz na narração da sua história de Caim. 
Considerando que há uma ideologia antirreligiosa como pano de fundo - o que o próprio Saramago parece deixar claro em suas entrevistas sobre o livro -, não se pode deixar de parabenizá-lo pela escolha das "armas" com que enfrentará seus adversários. Estas "armas" - sem nenhum espírito beligerante - são as estórias que constam do Livro Sagrado, a Bíblia.
A estória se desenrola, após o assassinato de Abel pelo irmão Caim, com diversas viagens do assassino através do tempo, levando-o a presenciar vários dos acontecimentos narrados no Antigo Testamento. O objetivo de nos colocar para pensar em que tipo de Deus poderia produzir tantas barbáries é plenamente alcançado através das escolhas de Saramago. Vemos, então, junto com Caim, Abraão quase matar o próprio filho Isaac - aliás, o pedido de explicação de Isaac ao pai, sobre o porquê daquela atitude chega a ser emocionante -; acompanhamos Lot se propondo a entregar suas duas filhas para serem abusadas sexualmente por uma turba, a fim de proteger os anjos que estavam em sua casa, em Sodoma, e posteriormente esta ser destruída, junto com Gomorra, levando à morte crianças totalmente inocentes; testemunhamos a ira de Moisés quando descobre que um bezerro de ouro foi confeccionado para servir como um deus, invocando os levitas a lançarem mão das espadas e irem ao acampamento e matarem o irmão, o amigo e o vizinho; relembramos que, após a queda de Jericó, homens, mulheres, crianças e animais são exterminados - crianças e animais, aparentemente, sem nenhuma culpa, apenas por pertencerem a um determinado povo... isso é um ponto a ser refletido, pois esta foi a mesma "culpa" dos judeus na época do nazismo -; assistimos ao castigo do fiel Jó, apenas para que Deus prove a Satã que o pobre homem não abandonaria sua  fé, mesmo que lançado ao inferno em vida - quiçá seja o primeiro caso de um homem que é castigado por ser bom demais.
Ou seja, presenciamos todas as iniquidades que compõem o livro dito "sagrado"... e Caim, mesmo assumindo a culpa do seu ato vil, se questiona por que Deus também não deveria culpar-se, a si mesmo, pelos próprios atos.
Mas nem só de desgraça se compõe o livro de Saramago. Como é típico deste autor, aparecem lances da mais fina ironia. O caso mais expressivo disso, na minha opinião, diz respeito à passagem em que Josué, no meio da batalha, se dá conta de que precisa "prolongar" o dia, a fim de não deixar os inimigos se evadirem, podendo executar a todos. Eis um resumo do trecho em questão, respeitando o estilo saramaguiano de escrita:
"Josué, vendo que o sol declinava... levantou os braços ao céu, já com a frase preparada para a posteridade, mas, nesse instante, ouviu uma voz que lhe sussurrava ao ouvido, Silêncio, não fales... nada, reúne-te comigo... josué... dirigiu-se rapidamente ao lugar do encontro. Sentou-se... e disse, Aqui estou, senhor, faz-me saber a tua vontade, Suponho que a ideia que te nasceu na cabeça, disse o senhor..., foi pedir-me que parasse o sol, Não posso fazer o que me pedes. Um súbito pasmo fez abrir a boca de josué,... Não podes fazer parar o sol, perguntou, e a voz tremia-lhe porque cria estar proferindo, ele próprio, uma horrível heresia, Não posso fazer parar o sol porque parado já ele está... desde que o deixei naquele sítio... Algo se move realmente, mas não é o sol, é a terra... [Diz Josué:] Então, se assim é, manda parar a terra, que seja o sol a parar ou que pare a terra, a mim é-me indiferente desde que possa acabar com os amorreus, Se eu fizesse parar a terra, não se acabariam só os amorreus, acabava-se o mundo, acabava-se a humanidade... todos os seres e coisas que aqui se encontram, até mesmo... árvores, apesar das raízes que as prendem à terra, tudo seria lançado para fora como uma pedra quando a soltas da funda".
Josué, mesmo assim, solicita a Deus alguma providência. Este diz que pode limpar as nuvens do céu, a fim de que este fique mais claro, mas que Josué terá que ser rápido com a batalha. Antes de Josué voltar, porém, eles combinam que o guerreiro, para infundir moral nos soldados, invocará o Senhor e solicitará que Este detenha o Sol até o fim da batalha. Assim, a história registrará, como diz Saramago, que "houve um dia... em que o senhor, porque combatia por israel, deu ouvidos à voz de um homem".
O fim do livro é surpreendente... mas eu não vou contar.

2 comentários:

Prof. Guilherme Fauque disse...

Ah, ainda bem que não contou o final do livro!! rsrsrsrsrs

Vou ver se consigo ler assim que tiver uma folguinha.

Abração

Thiago Minnemann disse...

Oi Ricardo! Fiquei com mais curiosidade ainda de ler o livro, vou arranjar um tempo (e o livro).
Quero saber o fim!!

Abraços!!