quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Minha mãe e o conatus spinozano

Como bom spinozano, recuso-me a identificar no ser humano a existência de uma "pulsão de morte" - conforme Freud a conceituou. Só consigo enxergar a "pulsão de vida"... que eu costumo aproximar do conatus spinozano.
Aliás, interessante demais é perceber que, em Freud, a "trieb" ("pulsão") não tem uma instância meramente corporal... algo que seria mais próximo a um instinto. A pulsão tem uma dimensão física e psíquica... como me parece ocorrer também com o conatus.
Além dessa diferença com Freud, o conatus spinozano guarda oposição também com a ideia de Heidegger de que a morte é um elemento estruturante do homem. Ou seja, para o alemão, a morte estaria já dentro do homem, que é um "Sein zum Tod", segundo ele. Já para Spinoza, o homem é um "Sein zu Leben" - invencionice minha, só para provocar os que gostam do idioma alemão para filosofar! -, o homem tem como fundamento ontológico o "existir"... o resto vem depois, como a ação empreendida para existir; a tentativa de entender o que o cerca, permitindo-lhe escolher melhor como existir; etc. e tal.
O texto, penso, não caminha mal... mas o que isso tem a ver com a minha mãe? Eu respondo - e o faço em um dos posts mais pessoais que já coloquei neste blog: "Algo" externo parece querer tirar minha mãe da existência! O "esforço" interno parece não estar mais sendo suficiente para deixá-la totalmente ancorada nesse mundo... de vivências... e de convivências!
Seus olhos verdes já não tem mais aquele brilho de quem olha os problemas como possibilidades de vitória... não pelo problema ser pequeno, mas por haver confiança em sua própria "potência" interior, mas sem arrogância... sempre com "paixão" - não no sentido spinozano do termo, mas naquele que se refere a uma "explosão sentimental" vigorosa.
Seu caminhar, que nunca foi atlético, mas que sempre foi decidido, transforma-se num penoso e vagaroso deslocamento arrastado.
Sua argumentação forte e, quase sempre vitoriosa - que, quando não pela força da retórica, acontecia pela energia da personalidade - torna-se vacilante... e, principalmente, imprecisa.
Vacilante e imprecisa... termos difíceis de serem agregados à minha mãe... mas que, agora, cabem...
Uma doença a ataca, silenciosa e matreira, desligando minha mãe do mundo.
Mas esse processo de "redução" do conatus, da potência diminuindo, inicia-se quando da ida do meu pai. Sem querer, meu pai, o grande amor dela, levou consigo uma parte da própria vida da minha mãe. Ele, que sempre foi um músico que fez a "base harmônica" na vida do casal, acabou levando embora parte do virtuosismo da solista, que ela sempre foi.
A morte vem de fora, diria Spinoza, quando as forças opostas a nós superam nossa potência de existir. E eu percebo que, se o amor de filho traz algum conforto, talvez só "O Amor" traga o próprio "élan vital" necessário à manutenção de uma existência em um corpo-alma desgastado pela própria existência, ou seja, só aquele "Amor" seria capaz de resgatar-lhe o que a natureza insiste em retirar dela... o "esforço de perseverar na existência"...

6 comentários:

Maria disse...

Ricardo!!!
O seu post foi não só o mais pessoal, mas o mais emotivo que já algum dia escreveu.
Aqui, para um ser em que a emoção bate em muitos pontos a razão, seu post foi devastador e provocou uma explosão de lágrimas.
Sei o quanto adora e admira sua mãe e também sei o que é acompanhar a “degradação “ de um ser que amamos muito.
De qualquer forma o senhor e seus filhos serão, certamente, a grande força de sua mãe, afinal são o fruto desse grande amor que uniu seus pais.
Sei que saberá aumentar o conactus de sua mãe. Muita força
Um abraço
Maria

mundy disse...

Fala meu bom e nobre Cumpadre, realmente o ser humano é diferente em seus vários aspectos, enquanto uns sao livros abertos de suas emoçoes , outros sao livros fechados de suas emoçoes, o porque do introdutório, Ricardo ele há de concordar sobre isto, é uma pessoa que esconde demais suas emoçoes e priciplamente sues problemas pessoais, justamente por julgar que o sao por demais pessoais que dificultam sua abertura para até os que mais sao chegados a ele, eu sou por essencia o extremo oposto do que é Ricardo, sou uma pessoa aberta demais em dividir meus problemas e dramas pessoais, o Ricardo já náo é assim, precisei vir ao Blog para constatar o que percebia , muito mais pela observaçao propria de minha parte do que por relato do amigo, pois observador que sou , já havia percebido que algo de errado se passava com aquela Senhora de extrema personalidade e forte sobretudo ascendencia italiana, aquela mulher que conheci em minha juventude com persona tao forte , hoje , passa uma fragilidade que nunca imaginei presenciar,sou sincero e Ricardo sabes disso, resguardei meus cometários por saber que náo do feitio dele se abrir sobre problemas pessoais, mas sim, fiquei estatico ao presenciar que imaginei fraqueza em tantas mulheres e maes, inclusive minha septuagenaria Mae ,inclusive destas várias coincidencias que unem minha vida a do Ricardo, ambos nascemos na mesma casa de saude a SAO Jose, na zona sul do Rio, ambos somos filhos únicos, ambos perdemos os pais quase que na mesma epoca e ambos temos ligação forte com nossas Maes, eu um pouco mais latina, ou seja aquele Amor em que muitas vezes não é explicitado de forma clara nos gestos, mas em atitudes fortes de imposição de personalidades, ou seja em poucas palavras com brigas intensas, e de outro lado Ricardo com sua relação de extremo carinho com sua Mae, salienteada ao desaparecimento do Pai Garcia, pois a relaçao de Ricardo com sua Mae , em muito se parecia com a que tenho com minha Mae, mas de uma forma toda peculiar deles,bem , fico deveras envergonhado que em nossos encontros de terça, alugue meu Cumpadre para escutar meus problemas e que por uma falha minha ou pelo jeito dele de ser, nao tenha escutado algo sobre o Drama que passa com sua Mae e lógico a preocupação que passa em sua mente, Mas camarada saiba que eu estou a postos para ouvir sempre.Um Grande abraço e bom feriadão para nós.

Júlio disse...

Ricardo, mesmo não conhecendo vc pessoalmente sinto que vamos ficando mais amigos. Vc não abre muito o jogo sobre coisas pessoais no blog. Isso eu já tinha visto. Foi um momento diferente mas importante. Pelo que o Mundy falou vc tb não é muito de dividir esses assuntos com os amigos fora do blog. Se conselho fosse bom não se dava, a gente vendia. Mesmo assim vou dar um: divida o peso com os amigos que ele fica mais leve.
Vou repetir a Maria desejando muita força. Estamos aqui 'perto' pro que precisar.
SDS

Ricardo disse...

Resposta 1.
A Maria é tão sensível que fico com pena de contar-lhe algo triste. Mas, nesse dia, a verdade "transbordou" de mim. Não foi um post totalmente pensado... talvez tenha sido mais "pensentido". Obrigado pela força, queridíssima amiga. Tenho certeza que teremos a oportunidade de falar mais sobre o assunto... em um outro momento meu.

Ricardo disse...

Resposta 2.
Compadre:
Você não é apenas um amigo - o que já seria maravilhoso para diversas pessoas -, você é um irmão. Um irmão de anos, com a memória carregada de aventuras e de desventuras. E esta é mais uma desventura.
Como você diz, não sou de abrir muito minha vida... e vou continuar assim. Isso, eu herdei do "Pai Garcia". Mas há momentos em que as palavras são mais ágeis do que a razão... e fogem...
Mesmo reconhecendo sua percepção apurada, fico feliz de saber que meu silêncio não foi barreira suficiente para que seu coração "visse" algo que me angustia.
Normalmente sou "os ouvidos" do nosso grupo de amigos... mas também tenho "voz". Dessa vez, ela falou por mim.
Entretanto, mais importante do que a minha voz falar é você ser o irmão que se prontifica a ouvir.
Obrigado, irmão!

Ricardo disse...

Resposta 3.
Júlio, novo amigo:
Obrigado pelo carinho. Agradeço também pelo desejo de força e pela disponibilidade em relação a mim.
Valeu! Abraço!