sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Nietzsche e o "eu"

Nietzsche, embora não tendo sido o primeiro, também atacou a "intuição imediata" da ideia de um "eu". Talvez até, Hume o tenha feito com mais precisão argumentativa. Entretanto, Nietzsche filosofa mais com o martelo do que com a caneta. E é com seu martelo que ele, em "Além do Bem e do Mal", lá pelo parágrafo 16 e seguintes, ataca esse conceito, referindo-se inicialmente a Descartes - e ao seu "ego cogito, ergo sum". Um pouco depois, aquele que "filosofa a marteladas" se volta contra a Vontade schopenhaueriana e conclui que "... L'effect c'est moi" - o texto em francês está no original alemão.
E aqui cabe uma pergunta: se eu sou o efeito dessa construção de inúmeras forças, que, portanto, precedem meu "eu", como fazer uma filosofia da existência, sem primeiro entender o que são essas "forças" em relação às quais eu não sou livre para ser "eu", já que são justamente elas que me fazem "eu"?
Mudando um pouco a perspectiva dessa ideia... e até o filósofo que a teve, eu lembro que Schopenhauer já dizia que temos todas as escolhas, menos a de nos escolhermos a nós próprios - o que deixaria os olhos de Sartre mais esbugalhados e tortos ainda.
Mas realmente, se "o efeito sou eu", como disse Nietzsche, é certo que só posso escolher a partir desse efeito ter se "consolidado", ou seja, "eu" não posso me escolher como aquele efeito que sou em função de forças primárias, e fundantes de mim. Só posso escolher a partir delas cessarem seu jogo - ainda que temporariamente -, encontrando essa "resultante" que sou "eu" mesmo.
A partir dessa assumpção de mim mesmo como resultante e efeito não escolhidos, posso me julgar livre para selecionar alternativas que se apresentam a mim... isso é o livre arbítrio.
Mas... será que esse jogo cambiante de vontades e forças, do qual sou efeito, se fixam totalmente, param de devir? Se a resposta for "Não" - como eu penso que é -, em que nível eu posso realmente dizer que esse que escolhe, que sou "eu", não está novamente sendo o efeito e sua ação não é só um efeito do efeito... nada tendo de liberdade em si?

4 comentários:

Júlio disse...

Ricardão, acho que dá pra dizer que 'o efeito sou EU' mas que 'eu tb sou causa do EU'. Tv aí é que esteja o 'ser-em-situação' junto com a 'abertura' no homem. Quer dizer que ao mesmo tempo que eu sou efeito das causas em volta e anteriores a mim, eu tb vou agindo e criando novas 'resultantes' (como vc disse).
Eu acho que temos liberdade (não tão exagerado como Sartre) e que vamos usando ela pra construir o EU. Mas é difícil não concordar com vc que existe uma 'parte' da gente que não acompanha nossas escolhas conscientes. Vc já viu uma teoria que fala sobre 'auto-sabotagem'? Vc quer fazer uma coisa mas vc mesmo age (inconscientemente lógico) pra coisa não dar certo. Não tô falando de loucura. Tô falando de coisa que acontece com todo mundo. Vc vê aquele negócio de começar dieta e não levar a sério? Deve ser isso.
Quer dizer, tem mesmo um lado que não é totalmente claro pra gente. Eu acho que os existencialistas (pra resumir todos eles num 'rótulo' que vc já mostrou que não gosta) sempre deixam de considerar esse lado. O Nietzsche pode ter visto isso melhor. O Spinoza tb, peol que vc diz. O Hegel e o Marx parece que exageraram dizendo que é só o que não somos que determina o que somos. Eu continuo achando que tem um meio termo nessa história. Pra mim o homem parte de uma coisa dada e não se liberta nunca totalmente dela. Mas tb tem espaço nele pra criação do que não veio pronto nele.

mundy disse...

E a Filosofia parece estar querendo ocupar sua faixa de terreno em muitas areas, foram lançados dois livros que abordam filosofia baseados nos seriados americanos DR House e Lost, bem parece que andam a querer faturar em outras frentes, nao sei se vale a pena comprar os livros.

Ricardo disse...

Querido compadre... e cada vez mais querido:
Você não está muito por dentro de uma certa área de publicação "filosófica" - usei as aspas porque muita gente não vai gostar do rótulo... embora eu o ache pertinente.
O fato é que eu mesmo tenho títulos como "Beatles e a Filosofia"; "Matrix e a Filosofia" e (o ponto alto) "Harry Potter e a Filosofia". Se eu citar "Os Simpsons e a Filosofia", você é capaz de rolar de rir... mas há esse título, também.
Esses livros se apoiam naquilo que "todo mundo" vê, para falar daquilo em que nem todo mundo pensa.
Raymond Aron, por exemplo, aguçou a curiosidade de Sartre ao dizer, num "boteco", que aquela bebida que Sartre degustava podia ser objeto de uma escola filosófica chamada Fenomenologia. O "zoiúdo" embarcou naquela estória e se tornou pai do Existencialismo contemporâneo.
Resumo da Ópera: dá para fazer Filosofia com tudo... desde que se tenha um "espírito filosófico". Portanto, se você vê o Dr. House e o Lost, vale à pena, sim, comprar os volumes em questão. Eu já comprei o meu do Harry Potter. Rsss.

Ricardo disse...

Júlio:
Eu acho que estamos concordando, enquanto discordamos. Rsss. Loucura? Não! Dá para explicar.
Parece-me que há um "eu" primário... talvez, mais diretamente, fruto desse "ser em situação" - conforme você e Heidegger disseram. Desse "eu", mais criado pelos outros, sobre uma base meramente natural, biológica, "brota" um "eu" secundário, que, de alguma forma, interage com essas "forças" mais primitivas - algo como a Vontade schopenhauerianas materializadas -, constituindo algo que é diferente da simples "resultante" - termo da Física, que utilizei - dessas memas forças, e que já contém algo de consciência. E o que é essa "consciência"? É um subproduto da evoluída estrutura biológica possuída por esses seres que somos, humanos.
E, conforme você, eu acho que há algo de que o homem não se "liberta nunca". O problema, parece-me, é saber o quanto o homem é esse "algo do qual ele não se liberta nunca" ou algo que ele cria voluntariamente.
Sem querer fazer elogios "baratos", achei esse o sei melhor comentário.
Abraços.