sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

"Carpe diem"

  É relativamente comum ver as pessoas falarem com muito entusiasmo "Carpe diem!". O "Colha o dia!", no sentido de "Aproveite o dia!" parece a comprovação da energia vital aplicada ao máximo.
  Mas o professor Mário Sérgio Cortella nos mostra uma outra perspectiva a esse respeito, em "Nos labirintos da moral".
  Ele diz: "Aquilo que eu entendo como o pior legado do mundo romano... é a noção do carpe diem, aproveite o dia, aproveite o hoje. Porque as pessoas esquecem que, quando os romanos elevaram o carpe diem a uma natureza de virtude, aquela sociedade já estava em decadência" - ou seja, é como um moribundo, a quem só resta "sorver" as últimas gotas de vida, não por heroísmo, mas por necessidade, diante do seu fim.
  O professor Cortella continua: "Esse não é o lema do século I a.C. (quando Horácio o escreveu nas suas odes), mas dos séculos III e IV depois de Cristo, quando o Império no Ocidente já começava a se esboroar. Na minha opinião, o carpe diem é, talvez, a mais negativa forma de estruturação de valores que se possa ter hoje, especialmente para os jovens. Por quê? Antes de mais nada, porque estamos dizendo aos jovens que não haverá futuro [...] Nós estamos lhes dizendo: 'Vivam o presente, Carpe diem". E essa é a lógica que leva uma parte dos jovens que conheço... a um nível de exaustão do dia. Eles vivem de forma desesperada, aqui no sentido de ansiedade obsessiva. Tudo é agora. Não existe a noção de tempo elástico, nem a de futuro. 'Mas essa pode ser minha última festa. Pai, eu tenho que ir, porque amanhã eu posso morrer. Eu preciso aproveitar a vida'. Creio que essa lógica de alguém aos 15 anos de idade dizer que precisa aproveitar a vida porque ela está se esvaindo como água pelo vão dos dedos é a pior contribuição que o mundo latino recebeu. Há jovens que, em razão disso, começam a consumir substâncias que teoricamente podem acelerar ou intensificar seu 'aproveitamento' - seja ingerindo bebidas alcoólicas em altas doses, seja usando substâncias que aumentariam a capacidade física, que são os energéticos. E aí eles têm de viver a noite como se fosse a última da vida, ficar com o maior número de pessoas possível, dançar até o limite, enfim, é necessário esgotar a vitalidade, porque pode ser aquele mesmo o momento do esgotamento. Aliás, esse modelo do 'aproveite o dia' é seguido por alguns adultos também".
  Serve, ao menos, para refletirmos que, se não somos eternos, podemos viver menos ansiosamente este dia - mesmo que ele possa ser realmente o último.

Um comentário:

Marcella disse...

Adorei o texto!
E acho que é exatamente assim: talvez o sentido de Carpe diem tenha sido deturpado desde tempos remotos.
O que aprendi sobre isso é que não se trata de esgotar todas as experiências da vida em um só dia como se fosse morrer amanhã -sentido a que principalmente os jovens atribuem. Trata-se de fazer o que lhe é devido no momento propício -ter as experiências no momento adequado, sem que isso lhe gere arrependimento posterior.

Ah, devo dizer também que como o texto estava excelente, repassei por e-mail, divulgando sua página :) Espero que não haja problema nisso.