quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

A "esperança"

  Conforme eu havia registrado no post anterior, Spinoza via a esperança como uma afecção que nos tornava passivos, ou seja, como uma paixão. Num dos livros a respeito do qual eu disse que faria alguns comentários - aquele que registra o diálogo entre Mário Sérgio Cortella e Yves de La Taille - essa ideia está bem registrada.
  Yves diz: "Afinal, entre outras acepções, esperança significa ter um 'desejo sem poder'. O filósofo francês Comte-Sponville diz que é preciso querer 'desesperadamente' - não no sentido da agonia e da dor, mas lembrando que a esperança pode ser uma posição passiva. Eu quero, mas nada faço além de 'esperar'. Perde-se a ideia de ação".
  Se Yves cita o francês Sponville - de quem eu sou fã... e que já apareceu neste blog algumas vezes -, Cortella apela ao brasileiríssimo Paulo Freire, e diz: "Paulo Freire conferiu um sentido novo à palavra 'esperança', lição que a gente deve sempre repetir. Ele dizia que era preciso ter esperança, mas esperança do verbo esperançar, e não do verbo esperar. Porque a esperança que vem de 'esperar' é pura espera, ao passo que quando proveniente de 'esperançar' significaria se unir e ir atrás, não desistir". E Yves completa: "É agir".
 Transmutada nessa concepção freireana, a "esperança" representaria atividade, tornando-se "positiva" segundo a ótica de Spinoza.

7 comentários:

Deia Mundy disse...

Gostei muito de seu post de hoje.
Fico com a prática da idéia de "esperançar".
Como leiga digo apenas que: - se não há esperança nada faz sentido.

Anônimo disse...

Olá Ricardo. Minha posição sobre a esperança é um pouco diferente. Acho que, sem dúvida, ter esperança e agir é algo mais valoroso do que esperança no sentido de espera, porém, é necessário olhar melhor as circunstâncias que geralmente estão envolvidas na esperança.

A esperança, normalmente, é torcer para ocorrer uma certa possibilidade de futuro em detrimento de outra, que seria muito mais problemática e danosa para nós mesmos. Logo, esperamos pois não queremos ser pegos por situações danosas, problemáticas e difíceis para nós, e nem sempre é possível que o ocorrer ou não dessa possibilidade esteja em nosso poder, onde tudo sobre nosso futuro esteja sobre controle. Em momentos particularmente difíceis, principalmente, a esperança é o grande motor da existência, e isso muitas vezes sem que se tenha a possibilidade de fazer praticamente nada por nós mesmos para fazer acontecer o esperado. A esperança, portanto, é o antídoto, mesmo que paliativo, ao desespero, e não no sentido que coloca Sponville, mas como uma situação de estremo sofrimento e desalento. É claro que nossas esperanças podem ser frustradas, mesmo quando o desenrolar do processo ainda está em nosso poder, e isso, infelizmente, poderá dar espaço ao desespero. Porém, a esperança, mesmo que ainda insuficiente para acabar com o sofrimento, teve o papel de, pelo menos momentaneamente, dar ainda otimismo e algum contentamento a um momento difícil, sendo uma esperança “ativa” ou não. E isso não pode ser desprezado.

No meu ponto de vista, o agir é importantíssimo, mas a realidade é sempre muito maior do que este agir, o que quer dizer que achar que podemos ter o pleno poder sobre os nossos destinos é perder de vista a parte do Outro sobre o eu no processo do próprio existir. Logo, algo mais além da atividade deve ser o cerne do olhar sobre a esperança, pois a figura da atividade ainda não dá conta do problema total, mesmo que possa ter também a sua contribuição, já que, com o agir, a possibilidade de futuro do qual preferimos terá mais chance de se concretizar.
Um abraço.

Ricardo disse...

Mantendo-me fiel ao lema "Primeiro as damas!", começo respondendo à comadre Deia.
Antes, porém, quero registrar a imensa satisfação de ler um comentário seu no blog. Bem seu que sua rotina diária é "recheada" de atividades e me ver merecedor de um tempo quase "criado" para ler e escrever aqui é algo maravilhoso.
Agora, propriamente o comentário do comentário.
Sempre concordei com a "passividade" que Spinoza e Sponville enxergam no termo "esperança". Gostei bastante da ideia da proximidade entre a "esperança" e o puro "esperar"... sem agir.
Entretanto, como você bem disse, a partir da ideia do "esperançar", que é muito mais do que "esperar", a coisa ganha uma dimensão mais ativa, e, por isso, mais positiva.
Continue "esperançando" por aí, enquanto vai agindo com aquela força que lhe é peculiar.

Ricardo disse...

A fila andou... a dama passou. Agora, é a vez da resposta ao meu dileto amigo Existenz.
Inicialmente, Existenz, quero agradecer-lhe a paciência. Sei que inúmeras vezes tenho deixado comentário esperando no "Limbo" por algum tempo... e, pior, alguns assuntos ficam largados, como um quebra-cabeça inacabado... só retomado muito tempo depois, quando o "calor" do tema já não é mais o mesmo.
Por isso tudo, só posso agradecer-lhe muito por compreender minhas limitações, tanto de natureza intelectual quanto de disponibilidade de tempo.
Sua generosidade encontra sempre um brecha para engrandecer os posts com comentários inteligentes, que sempre acrescentam muito à discussão.
Dito isto...

Ricardo disse...

... vamos ao comentário do comentário.
Concordo com suas constatações - irrefutáveis, aliás - de que a "esperança" pode servir de "antídoto" e de "paliativo" ao "desespero" (não no sentido sponvilleano) humano e de que a realidade é sempre muito maior do que o nosso agir.
Um problema é saber se esse antídoto e esse paliativo são preferíveis à realidade em si.
Veja que a carga de ilusão em "Eu tenho esperança que isso vai acontecer!" é muito maior que em "Eu torço para que isso aconteça!". Nesta última, eu reconheço os limites do meu agir - ou da potência finita do meu agir -, diante da infinitude de potências que se opõem à minha, mas ainda "espero" o tal resultado. Não me iludo sobre a minha relativa impotência. Já no primeiro caso, esse “Eu tenho esperança...” é quase um “Eu confio que isso vai acontecer!”. E esse “confiar” é um mecanismo de fuga... pois não há em que depositar a confiança. É lógico que esse “confiar” implica um “medo” da expectativa não se cumprir. Mas isso fica num plano quase esquecido. E isso é claramente uma criação de uma ilusão. O medo, aí, é propositalmente posto de lado, como uma defesa psicológica. Talvez seja confortável... mas será que o homem que está disposto a viver autenticamente deve se contentar apenas em viver o “confortável”?
Portanto, concordo com o retrato que você fez da realidade, mas não concordo que essa seja a melhor solução para a tal realidade.
E lembro a você que Spinoza reconhecia a finitude de nossa potência individual, e também que esta se opunha necessariamente a muitas outras potências finitas. O diagnóstico dele não era de que poderíamos ter uma “ação total” sobre a realidade – o que seria uma ilusão maior do que uma possível “inação total”, proveniente do mero esperar -, mas que deveríamos aumentar a nossa potência – seja de entendimento, seja de ação – para que fôssemos o mais “livres” possível... igualando, aqui, liberdade à potência.
Até mesmo o enfrentamento do “desespero” - que, para fugir da confusão com a ideia sponvilleana, e para manter um linguajar mais adequado ao pensamento spinozano, e mesmo atual, eu preferiria chamar de “medo” -, ou seja, até mesmo o enfrentamento do “medo” diante do incerto, é um exercício de aumento de nossa potência existencial... o que acaba por nos preparar melhor para a vida.
Insisto, então, que, mesmo reconhecendo seu acerto no que efetivamente ocorre, não concordo que esse "mecanismo de defesa psicológica" seja o melhor modo de ser humano. Tendo a pensar que o esforço para aumentar a própria "potência existencial" é o melhor caminho... ainda que sem ponto de chegada concreto possível. Afinal, nunca seremos metafisicamente onipotentes.
Mais uma vez, agradeço-lhe os comentários e, principalmente, a paciência.
Muito obrigado.

Anônimo disse...

Olá Ricardo. Concordo com o que disse. Realmente, criar uma falsa expectativa, uma ilusão a respeito da possibilidade do qual gostaríamos que se concretizasse não é a melhor solução. Afinal, se a expectativa não se concretizar, o sofrimento, o medo e o desespero continuam. Isso eu até cheguei a comentar. Porém, qual é a melhor solução? Pergunta extremamente difícil, talvez nunca respondida adequadamente até hoje, ou pelo menos respondida por uns pouquíssimos (mesmo não em voz alta, mas com sua própria atitude frente aos problemas). Logo, não cabe aqui que eu dê uma resposta, no máximo faça uma pequena investigação sobre o problema, e, pelo menos, algo que seja menos pior do que vagar somente pelo puro desespero.

Lidar com os próprios medos – algo que você chegou a colocar no seu texto de forma bastante feliz -, assim como com qualquer sentimento negativo em relação à possibilidade indesejada é, para mim, o principal enfoque. Claro, que a ação direta no mundo tendo em vista afastar essa possibilidade indesejada conta, é importante também, mas como falei antes, esse é apenas um dos aspectos necessários a se focar, e nem seria o principal. E talvez o que temos a perder de mais importante aqui não seja nem a liberdade, mas a felicidade. Transformar o medo em contentamento, o desespero em serenidade, o indesejado em desejado, e em todas as ocasiões, é a própria felicidade, e, assim, a liberdade e a “potência de existir” vêm “de tabela”. Logo, colocar todos os nossos medos e preocupações no “sótão” do nosso inconsciente, nos evadindo no conforto acessível da esperança, não é a própria felicidade, mas uma felicidade falsa e momentânea – nisso eu concordo com você - mas, sendo uma tentativa mal sucedida de transformação definitiva da emoção, já não seria já uma tentativa? E uma tentativa, mesmo que mal sucedida, se olhada por um outro ângulo, não poderia dar início a um novo e melhor caminho a seguir?
Um abraço.

MRoxy disse...

Diferentemente do que diz Espinosa, que a esperança é uma paixão que se vincula à inércia, um esperar sem agir, considero-a um dos modos de operação do elã vital. Por isso mesmo sua existência independe da vontade do homem, antes, é um recurso da natureza que perpassa o homem, com vistas a cuidar da manutenção da vida humana e fazer aproximar através da força do desejo as realizações desejadas. A esperança não foi inventada pelo homem, ele apenas a utiliza para alcançar seus fins. Logo, não é possível viver sem esperança, pois por mais que se tente rechaçá-la através de racionalizações, sempre se espera algo, sempre se espera chegar a algum lugar, sempre se espera realizar uma conquista. A esperança está a serviço do desejo de avançar, de ir além, o que por si só já é bastante positivo, mesmo que seu resultado seja apenas terapêutico.