quarta-feira, 19 de novembro de 2014

O gozo estético-erótico


   Adorei um texto da Carmita Abdo, colunista de O Globo - publicado neste veículo em 15/11/2014 -, que faz uma interessante reflexão sobre o "abrir os olhos durante o sexo". Pareceu-me tão bem escrito, que compartilho com os amigos. Lá vai, então...

"Quando abrir os olhos, pode chorar

Usar ou não a visão durante o ato sexual - eis uma questão profundamente debatida

Olhos, para que os quero? Para ver, fixar, reconhecer, apreciar, dar aquela piscadinha, arregalar, desviar ou baixar o olhar, lacrimejar, chorar... Também para cerrar as pálpebras, distanciar, meditar, evitar ver, dormir, sonhar.
Com certeza, não há quem não tenha fechado os olhos, por alguns segundos ou o tempo todo, durante um ato sexual.
Em outras palavras, fazer sexo de olhos bem abertos e sem pestanejar não é um comportamento comum. Se os olhos abertos representam uma atitude de alerta, de proteção ou de sentinela, os olhos fechados via de regra denunciam concentração, envolvimento e entrega. Contudo, essa regra também tem exceções.
Aqueles que estão apaixonados fecham os olhos e se abstraem do mundo, privilegiando serem guiados por outras sensações. Como a paixão é cega, tanto faz estar de olhos abertos ou fechados, porque interessa mais sonhar, cheirar, tocar, ouvir e reconhecer o gosto da pessoa, objeto da paixão. A visão é absolutamente dispensável para quem está vivendo um êxtase passional, uma vez que projeta no(a) parceiro(a) o ser idealizado, sem qualquer imperfeição ou necessidade de reparo.
Os céticos não perdem a oportunidade de manifestar o seu descrédito, afirmando que quem transa de olhos fechados assim o faz por não desejar se comprometer: voltada exclusivamente para si própria, sem qualquer intenção de estabelecer vínculo afetivo ou proximidade emocional, essa pessoa se garantiria excluindo a visão, mas mantendo estreito contato corporal com quem exerce sobre ela mera atração física, insuficiente para encher os olhos e o coração.
Já os aficionados pela estética e os obcecados pelo desempenho alegam que o belo, o elegante e o desenvolto merecem ser percebidos e apreciados, de olhos bem abertos, sem que se perca um único detalhe da performance sexual desse Baco ou dessa Afrodite.
Contra tal ideia se insurgem os espiritualistas e os platônicos de plantão, os quais têm em comum entre si o culto e a reverência àquilo que não está ao alcance dos olhos e do físico, pois pertence ao domínio da alma. Para esses importa o que os olhos não conseguem ver.
A ciência, por sua vez, sai em defesa dos olhos bem fechados, confirmando ser esse um mecanismo pelo qual se aguçam os outros sentidos e se abre espaço à imaginação e à fantasia, em prol de estratégias indispensáveis à intensificação do prazer.
Enfim, seja lá qual for o seu perfil (apaixonado, cético, obcecado por academia ou por tudo o que maximiza o desempenho sexual, espiritualista, adepto de Platão ou neurocientista), tente a experiência de fechar os olhos, quando alguém especial acariciar a sua pele e sussurrar palavras doces ou excitantes ao seu ouvido. Tente manter os olhos bem fechados, enquanto ouve aquela música que acalma, ao mesmo tempo em que estimula. Respire, ainda de olhos fechados, o ar perfumado com a fragrância que exala da pele ou dos cabelos de alguém muito querido, cuja proximidade física lhe permite sentir o pulsar de um coração, completa e incrivelmente compassado com o seu.
Permita-se essas sensações e deixe a imaginação fluir. Daí, abra lenta e corajosamente os olhos e “caia na real”. O que a realidade lhe parece, agora? Pior, melhor, apenas diferente ou simplesmente desconcertante?
De olhos bem abertos, não segure o choro, seja ele de surpreendente alegria ou de profunda decepção. Do jeito que for, está valendo. Do seu jeito, agradeça a bênção de poder captar com seus próprios olhos aquilo que seu velho coração já havia visto ou, cauteloso, se negava a enxergar."
  
  Da próxima vez, será que pensaremos em todas essas classificações?

quarta-feira, 24 de setembro de 2014

"Filosofia Prática"


   Hoje, saí de casa atrasadíssimo. Peguei a agenda e esqueci meu companheiro inseparável - um livro... sempre o do momento da minha pesquisa.
   Para minha sorte, na agenda há algumas notas que faço durante as leituras. Fui revendo algumas delas, que, para minha sorte, também tinham relação com a parte que estou desenvolvendo. 
   Quando cheguei ao trabalho, peguei uns livros que comprei mas ainda não levei para casa. Obviamente, há Spinoza... mas aproveitei para dar uma "diversificada". Apelei para Filosofia Prática - ética, vida cotidiana, vida virtual, de Márcia Tiburi. 
   Não pude ler muito, mas o pouco que li é realmente bem interessante. Uns pedacinhos sobre a aventura da leitura.
   "A experiência textual é ativada pelo leitor que a toma como um convite. [...] Qualquer texto que se faz livro aspira a tocar aqueles que o leem [...]. Podemos deixar na estante algo cujo sentido é um pedido de conversa? [...] Assim o leitor faz da leitura a vida da escrita, sem a qual todo texto é morto". 
   Como observação final a informação de que foi neste livro que vi a referência ao filme homônimo da filósofa alemã Hannah Arendt, dirigido por Margarethe von Trotta.

E mais outro...


   ... e mais outra.
   Outro filme... de outra filósofa ... das mesmas diretora e atriz principal. 
    Desta vez, Rosa Luxemburgo.

Rosa Luxemburg
Rosa Luxemburg (film).jpg

Mais um filme


   Eu comentei, no post passado, que fazia uma pesquisa na net quando esbarrei com o filme da Hildegarda de Bingen. O que eu procurava mesmo era o filme de outra filósofa, Hannah Arendt. As pesquisas se entrecruzaram porque a diretora e a atriz principal dos dois filmes são as mesmas, Margarethe von Trotta e Barbara Sukowa, respectivamente.
   Não sei se é fácil obter estes filmes, mas tentarei. E vocês?

Hannah Arendt
Hannah Arendt Film Poster.jpg
   

Hildegarda de Bingen (2)


   Há alguns dias, uma nossa amiga, a Mirtes, escreveu um comentário num post antigo, que tratava de Hildegarda de Bingen. O comentário nos informava que o livro Scivias, da ilustre monja, já tinha uma versão em espanhol e que em 17 de setembro se comemora o dia dela.
   Antes de tudo, agradeço a Mirtes pelas suas informações. Depois, gostaria de dizer que, numa pesquisa paralela pela net, acabei esbarrando com um filme sobre a monja Hildegarda. Para quem tiver interesse:

Vision - From the Life of Hildegard von Bingen
VISION - FROM THE LIFE OF HILDEGARD VON BINGEN Theatrical Poster - from Commons.jpg

Aborto

   
   O tema não é simples, além disso a questão do aborto é extremamente "desconfortável" de ser debatida. No entanto, não se trata de uma discussão meramente teórica, cujo resultado pode ser um simples veredito - "certo" ou "errado" -, a questão é efetivamente prática.
    Principalmente diante de dois casos que foram noticiados nos últimos dias, o assunto se põe urgentemente em debate.
    Penso que a questão é eminentemente de saúde pública. Os apelos religiosos são válidos, mas devem prevalecer enquanto se trata do aspecto motivacional da decisão sobre o aborto, e não sobre o ato em si.
    Imagino ser inadmissível duas jovens mulheres morrerem vítimas de procedimentos "médicos" - com aspas mesmo - mal planejados, mal realizados e sem os cuidados necessários a um tipo de intervenção tão delicada.
      Seria leviano defender a morte de um feto, porém mais incorreto ainda - penso eu - é apoiar a  cegueira diante de uma prática perigosa, que tem vitimado várias mulheres, em nome de uma esquisita "moralidade".
    É importante colocar que não estamos, pelo menos nesses dois casos, diante de jovens "tresloucadas", simplesmente arrependidas por terem se entregue, antes, a arroubos hedonísticos, os quais têm como resultado crianças indesejadas. O que vimos são mulheres com certa experiência que, por algum problema momentâneo, acabaram por  engravidar e que, até com um certo grau de responsabilidade, quiseram evitar uma gravidez que poderia vir a produzir "efeitos" complicados em relação às suas vidas.
   Os "efeitos" não são propriamente as crianças geradas, mas os problemas que advêm de uma gestação não programada. Nos dois casos, aliás, vimos moças - Jandira tinha apenas 27 anos!!! - preocupadas com o futuro das crianças das quais já eram mães.
   É óbvio que defendo, inicialmente, uma conscientização maior das mulheres no que diz respeito às suas relações sexuais. E indico diretamente as mulheres - embora pense que tanto elas, quanto nós, homens, devamos ter essa maior consciência - porque serão elas que terão que tomar a difícil decisão de se submeter ao tipo de procedimento em questão ou carregar uma criança não planejada no ventre por nove meses. Mas... como acidentes acontecem, há que ter um "Plano B". Se este é a interrupção da gravidez, que se faça como um procedimento médico - que é efetivamente o caso -, em um lugar em que as mulheres não estejam na mão de açougueiros, e sim de cirurgiões e assistentes gabaritados.
  Volto a enfatizar que é necessário um tratamento laico da questão, solicitando que o foco se dê, de verdade, sobre a perspectiva da saúde. Não é possível que fechemos os olhos diante de um problema que é real, e que tem consequências sérias. Aliás, hoje o jornal O Globo anuncia uma estatística - não sei se completamente confiável, mas com justificativas - de que há mais de 67 abortos por ano no Estado do Rio de Janeiro. Isso, com base nas mulheres que chegam ao SUS com complicações, que são mais de dezesseis mil!!!!!
   Acho que várias das mulheres que se submetem a este procedimento sofrem muito mais psicologicamente do que fisicamente. Se o aspecto físico, desde que tudo corra bem, se resolve em meses, o psicológico fica marcado pelo resto da vida. Mas se com esse sofrimento elas têm obrigatoriamente que conviver, não permitamos que a situação se agrave ainda mais, e que haja sequelas e mortes dessas mulheres. 
   Pela legalização do aborto de forma mais ampla já!

terça-feira, 26 de agosto de 2014

Eleições presidenciais


   Como é que a trágica morte do candidato Eduardo Campos mexeu com as intenções de voto, hein!
   A Dilma, com confortáveis 40%; Aécio com 20% e Campos, 10% - de modo aproximado -, era o cenário nas primeiras pesquisas, antes do falecimento do candidato do PSB. Agora, o Ibope apresenta: Dilma com 34%, Marina com 29% e Aécio com 19%.
   Minha observação não tem a ver com um juízo de valor sobre os candidatos envolvidos na eleição, mas com a falta de compreensão generalizada de que se deve votar em um programa de partido, e não em pessoas. É certo que essa minha crítica vale para os próprios partidos, que acolhem qualquer nome que lhes garanta votos. Lembro que o sistema atual concede os votos dos eleitores para os partidos - tanto assim que os votos de um Tiririca, por exemplo, acabam por garantir a eleição de outro companheiro de partido.
   A questão, portanto, não é dizer que o brasileiro não vota certo porque escolhe nomes errados, mas é indicar a mesma coisa, sob a justificativa de que não entendemos que nossos votos são dados - ou deveriam ser - primeiramente para o programa do partido. Dentro daqueles votos entregues ao partido, veem-se os candidatos que foram mais lembrados pelos eleitores, e estes são os que representarão o povo, de acordo com o coeficiente eleitoral e o número de vagas conquistadas pelo tal partido.
   Precisamos começar a nos preocupar com os partidos, avaliando se são apenas legendas de aluguel. Aí, sim, poderemos começar a escolher melhor - seja qual for o nome, dentro daquele compromisso com a ideologia do partido em questão, que pensarmos ser o melhor.
   Ainda que isto seja um tanto quanto utópico, acho que vale à pena insistir nessa ideia.

Spinoza na praia


   No último domingo, estava um sol agradabilíssimo aqui no Rio. Já eram umas dez da manhã quando decidimos ir à praia.
   Entre uma cervejinha e outra - fui à pé, hein, gente. Nada de beber e dirigir. Rsss -, batendo um papo com a filha e a esposa; trocando umas palavras com os vizinhos de barraca; vimos um amigo "rato de praia" chegar. O sujeito é tão popular que leva um tempão só saudando os conhecidos. 
   Durante a nossa parte do horário de saudações, chegou outro amigo dele. Fomos apresentados ao André e, ao longo da conversa, soubemos que ele fora lutador de Muay Thai. Nada mais interessante, já que inscrevi minha filha nesta prática desportiva há pouco tempo. Conforme o esperado, o sujeito é forte à beça. Inicialmente, o papo versou sobre lutas; foi passando por filmes; até que, por conta de um comentário sobre "Nosso lar", paramos em religião. André foi bastante comedido na sua análise sobre o Espiritismo, indicando que respeitava todos os tipos de manifestação religiosa. 
   Nesse momento, minha esposa indicou que eu gostava do assunto "religião", embora não praticasse nenhuma, e arrematou dizendo que isso se devia à minha paixão pela Filosofia. O ex-lutador, então, disse que também apreciava este "assunto", e perguntou:"Você conhece um filósofo chamado Spinoza?"
   Obviamente, abriu-se outra linha de papo. Spinoza na praia - Quem diria, hein? Ainda não refeito da surpresa inicial, pude ouvir André dizer que não só ele, mas também o pai e o irmão gostavam de Spinoza. Três spinozanos em uma tacada só!?!?! Milagres acontecem. Rsss.
   Não deu para explorar, em profundidade, o conhecimento do novo amigo. Ele parecia bastante impressionado pelo possível panteísmo spinozano... e essa foi a tônica de suas observações. Seguimos, então, conversando sobre Filosofia. Por fim, ainda soube que ele era Fluminense - como eu.
    Minha esposa brincou com nosso amigo "rato de praia", que aquilo só poderia ser uma brincadeira, combinada entre os dois, para me deixar feliz. 
    O importante é saber que Spinoza também frequenta as praias! Rsss.

104!


   Os amigos vão chegando... apesar do blog estar meio "paradão". A ideia sempre foi compartilhar com os amigos as minhas leituras momentâneas e as reflexões que iam surgindo sobre as mesmas. Mas, por vezes, são tantas as leituras obrigatórias - embora todas envolvam também prazer - que nem dá tempo de registrar nada. Mesmo assim, contando com a compreensão dos amigos já presentes, vamos agregando outros amigos.
   Isso tudo é para dizer que agora somos 104 amigos. Seja bem vinda, Bé Rocha, nossa nova amiga. Fique à vontade para registrar aqui qualquer comentário que achar valer à pena compartilhar. Gostei de ler o seu perfil. O fechamento do mesmo é "Quem sou, um ser intrigante, que não se esconde, mostra quem realmente é.... sou Humana isso é que sou..."
   Novamente... Seja bem vinda!
   

"O portal da Filosofia"


   Há bastante tempo, escrevi minha impressão sobre o livro O portal da Filosofia - uma breve leitura das obras fundamentais da Filosofia (Volume 1), de autoria do Robert Zimmer - que, aliás, foi muito boa. Depois disso, consegui ver parte do segundo volume original, em alemão, e percebi que a Ética, de Spinoza, estava lá. Compartilhei isso com os amigos aqui do blog. Mas... cheguei a pensar que este outro volume não seria traduzido... depois de tantos anos da publicação do primeiro.
   Hoje, no entanto, passeando pelas livrarias da vida, "esbarrei" com o volume dois da obra, publicado pela Martins Fontes, agora em 2014. Para um primeiro contato com cada uma das obras apresentadas, acho que é uma leitura interessante. Neste volume temos - além da Ética: a Metafísica, as Meditações (Marco Aurélio), A consolação da filosofia, a Suma Teológica, Da douta ignorância, o Leviatã, Investigação sobre o entendimento humano, Do espírito das leis, Emílio, Fenomenologia do Espírito, A essência do cristianismo (Feuerbach), Sobre a liberdade, A decadência do Ocidente (Oswald Spengler), O Ser e o Nada, Dialética do esclarecimento, Verdade e Método (Gadamer) e Contra o método (Feyerabend).
   Tendo comprado o livro mais cedo, ainda nem li o texto sobre Spinoza, mas, pela impressão que tive do volume anterior, acho que vale como uma brevíssima introdução aos textos apresentados, principalmente para aqueles que ainda estão conhecendo a Filosofia.

"Fantástico" (2)

   
   Xiiii... já faz tanto tempo que escrevi o último post que não lembro todos os detalhes da segunda matéria apresentada no programa. De qualquer modo, o assunto era um local na Colômbia que tinha casos de Mal de Alzheimer muito precoces. Pessoas com cinquenta anos já estavam incapazes para as atividades normais, forçando filhos relativamente jovens a abandonarem sua rotina para cuidarem dos pais.
   Um cientista passou a investigar essa cidade e, através de um levantamento cuidadoso em cartórios, identificou que os casos pertenciam àquele viés hereditário da doença - aproximadamente 5% dos casos de Alzheimer pertencem a este tipo - e descobriu até o casal que "originou" essa onda de casos.
    Foi muito triste, para quem tem uma mãe não tão idosa sofrendo deste mal, ver pessoas em idade tão mais jovem padecendo da mesma doença. Aliás, foi perguntado ao médico qual o paciente mais jovem que ele identificou, ao que ele respondeu "Trinta e oito anos". Surpreendentemente triste.

quarta-feira, 9 de julho de 2014

"Fantástico"


   No último domingo, um programa da TV Globo, o "Fantástico", apresentou duas matérias que me deixaram "mexido".
   A primeira dizia respeito à violência que se comete contra as mulheres na Índia. Sempre ouvimos falar dos estupros - até coletivos -, mas o excesso de casos de ácido lançado contra as mulheres... e, principalmente, a falta de punição para os culpados, deixou-me chocado. Fotos de algumas moças com o rosto deformado foram apresentadas. Mas o caso mais grave de ataque, em que a jovem, de apenas quatorze anos, ficou com o rosto completamente desfigurado, teve que proteger os telespectadores da força da imagem, "embaçando" o rosto da moça. A situação era tão severa que a jovem tinha que utilizar uma espécie de canudo nas narinas, que se fecharam com a deformação, a fim de poder respirar. A própria repórter se emocionou tanto que chorou, durante a entrevista.
    O único aspecto positivo da reportagem foi a informação de que as leis contra esse tipo de crime foram modificadas e que, pela primeira vez, houve uma condenação para um homem que fez isso.
    Chamou atenção, porém, um fato muito triste. O advogado que defende a moça considerou que parte da culpa era dela. Ou seja, aquela velha ideia machista de que o homem que agride uma mulher o faz por conta de ela ter dado motivos. Algo parecido foi sugerido em uma pesquisa, aqui no Brasil - embora, depois, indicou-se que havia um engano nos dados apresentados -, que registrou que, no caso de estupros, é a mulher que "provoca" o estuprador, seja usando roupas curtas, seja se insinuando, através de gestos.
   Absurdo total!
   Voltamos à questão da existência de valores mínimos a serem compartilhados universalmente.
   Depois comento a outra matéria.

Time sem vergonha! (3)


    Eu nem vou dizer que já sabia, afinal isso é muito óbvio. Mas o fato é que o desastre realmente já estava previsto. O curioso é que, a cada partida, ouvíamos a Comissão Técnica da seleção brasileira dizer que o time estava evoluindo. Eu, sinceramente, não entendo baseado em que isso era dito.
   É claro que a falta do Neymar atrapalhou... nem sei se o futebol da seleção, mas, pelo menos, o aspecto psicológico dos caras. Falo que nem sei se o futebol, porque, afinal, no jogo do Chile, o Neymar não jogou absolutamente nada. 
    O susto que tivemos com a Alemanha só não ocorreu antes porque os times que enfrentamos não eram tão fortes. O único jogo decente da "seleção" foi aquele em que o Neymar se machucou. E isso não quer dizer que houve uma evolução - como dizem os jogadores e a Comissão Técnica -, mas simplesmente porque pegamos um time que joga aberto e que dá espaço para jogar também.
    A minha sorte é que, desde o jogo passado, fiquei em frente a televisão sem estresse. Assisti aos jogos tranquilo. Neste último, então, diante da franca diferença de forças entre os dois times, nem deu para ficar nervoso.    
    Eu diria que, na verdade, fomos muito longe.
    Vejamos o que acontece com Argentina, Holanda... e a Alemanha, daqui para frente. Eu aposto na Alemanha, mas torço pela Holanda - terra do nosso querido Spinoza. Rssss.

terça-feira, 1 de julho de 2014

Time sem vergonha! (2)


    Nossa querida amiga de além-mar ficou rindo de mim, pela última postagem no blog. Ainda bem que ela fez isso, em vez de me dar um puxão de orelha... que eu, na verdade, até mereceria.
   O fato que me deixou "fulo" foi esse time não conseguir jogar como o Brasil que conhecemos. Ganhamos?! Mas o futebol brasileiro certamente perdeu. Um time em que, no meio campo - aliás, nem sei se dá para dizer que este "timeco" tem um meio campo -, só aparecem os jogadores de marcação e no qual só há chutões para frente não merece carregar o símbolo da seleção brasileira de verdade.
   Agora, sem querer deixar minha amiga triste, tenho que confessar algo: embora eu também tivesse muita simpatia por Portugal, não dá para comparar a história da seleção lusa com a nossa. Deste modo, mesmo contando com o melhor jogador do mundo, o cracaço Cristiano Ronaldo, não decepciona tanto o futebol apresentado pelos portugueses, e, com isso, a sua eliminação precoce. É verdade que o excesso de gols levados chateou muito. Mas não era o caso, penso humildemente, de se decepcionar tanto com a saída de Portugal como o seria com a do Brasil.
    Mas, sinceramente, penso que não será possível ver o Brasil na final... a não ser que algo mude radicalmente.

sábado, 28 de junho de 2014

Time sem vergonha!


   Antes mesmo do final do jogo do Brasil contra o Chile, ou seja, sem saber do resultado do mesmo, quero registrar que a Copa do Mundo, para mim, acabou. Nunca vi um time brasileiro tão "porcaria". Esse time, sem dúvida alguma, merece ficar pelo meio do caminho.
   Já que Portugal e Itália caíram, vou torcer pela Holanda. Neymerda e companhia não merecem nossa atenção.

domingo, 22 de junho de 2014

Somos 103, agora!


   Agradeço a presença do novo amigo, Luiz Alfredo Nunes de Melo, neste nosso espaço. Pelo que pude ler, trata-se de um filósofo-poeta.  Ou, talvez, filósofo de cabeça e poeta de coração. 
    Que bom que nosso novo amigo consegue compatibilizar as duas preciosas atividades. Seria uma espécie de Nietzsche? Bem... aí teremos que perguntar a ele. Rsss. Outro que escrevia textos muito artísticos era Platão. Mas este, curiosamente, era poeta até descobrir a Filosofia. Pelo que se conta, ele queimou seus escritos poéticos, prometendo, dali em diante, dedicar-se somente à Filosofia. Na República, chegou até a expulsar os poetas de sua "cidade de palavras" ideal.
    Portanto, acho que nosso novo amigo teve mais juízo que Platão. Rsss.
   Brincadeiras à parte, seja bem vindo, Luiz Alfredo. Fique totalmente à vontade para comentar o que quiser dentro desta nosso espaço.

Niterói e a Copa do Mundo


   Não sou niteroiense de nascimento, apenas de coração. Mas gosto muito da cidade. E sempre que alguém fala de Niterói presto atenção. Hoje, li uma história bem interessante, que vincula o município à Copa... embora não esta, de 2014, e sim àquela de 1950.
    Lá vai um trecho da matéria publicada em O Globo:
   "Se hoje ela [a bola] é fabricada pela gigante multinacional Adidas, submetida a inúmeros testes e até analisada por pesquisadores da Nasa, na primeira edição da Copa no Brasil, em 1950, ela era confeccionada por uma empresa brasileira que tem hoje em Niterói a sua loja remanescente: a Superball.
     Apesar de toda a tecnologia usada no desenvolvimento da Brazuca, atual bola da Copa, há quem diga que a Superball Duplo T, da Copa de 50, é que era a verdadeira revolucionária. E foi por isso que a Fifa a escolheu e, mais ainda, lhe deu exclusividade até então inédita. Foi a primeira Copa em que passou a ser usado apenas um modelo de bola para todos os jogos".
    O texto explica que a maioria das bolas, até então, tinha costura externa. No Rio, a única que contava com costura interna, sendo, por isso mesmo, mais "equilibrada", era justamente a Superball Duplo T. 
    Bem, e o que Niterói tem a ver com isso? Como o texto que eu já citei lá no começo diz, a  empresa Superball, que produziu a primeira bola da história que passou a ser única para todos os jogos da Copa, atualmente foi reduzida apenas a uma loja de material esportivo, justamente em Niterói.
    Um pouco de "bairrismo" e de história do futebol, nessa época de Copa do Mundo. 

sexta-feira, 20 de junho de 2014

Spinoza por Nigel Warburton


   Eu gosto muito de ler o Nigel Warburton. Há pouco tempo, adquiri o livro Philosophy: The Classics, publicado pela Routledge - editora que, até onde conheço, só traz ao mercado bons textos -, de autoria do Warburton.
   No livro, o autor trata de trinta e duas obras, desde Platão até John Rawls. Entre estas, a Ética, do nosso querido Spinoza. Como o livro não é muito extenso - são um pouco menos de trezentas páginas -, os capítulos referentes a cada filósofo não são muito volumosos. Para aprofundar o conhecimento de determinada obra, é lógico que o livro de Warburton é de pouca valia, mas para uma introdução rápida, eu diria que ele é ótimo. E, apesar de ser um livro absolutamente introdutório, ele registra algumas opiniões interessantes do autor.
    Separei algumas passagens:
   "Within the pages of this difficult book [...] are philosophical and psychological insights of great power."
   "Spinoza's theme is the universe and our place in it - the nature of reality. For him metaphysics and ethics were not separable. The nature of reality determines how we ought to live."
   "If Spinoza is a pantheist, his is not the crude pantheism which declares that the world simply is identical with God."
   "All our actions, and everything that happens in the universe, are determined by prior causes. [...] So in the sense of being outside of the chain of cause and effect there is no hope of human freedom. [...] This will make us free in the only sense in which we can be free, which is acting from internal rather than external causes. [...] When we can liberate ourselves from the passivity of being the vehicles of such passions and come to understand our actions we become free."
   "Human bondage is the condition of those who are ignorant of the causes of their actions. People in this condition are moved by external causes alone. [...] It is only by forming an adequate idea of the causes of our behaviour that we can escape this bondage, and make the causes of our action internal rather than external."
   "Spinoza's thought recommends a kind of psychotherapy. To achieve freedom from the passions we must understand the true causes of our actions. Yet this doesn't mean that free decisions cease to have causes. When understanding is achieved these causes are internalised. [...] But the actions they give rise to remain determined. So Spinoza sees human free will in this particular sense as compatible with our actions being causally determined." [Eu trocaria este último "free will" por "freedom"]

   Ao final da explicação de cada obra, Warburton apresenta algumas críticas às ideias nela contidas. No caso específico da Ética, Nigel apresenta três dessas críticas: (1) "No need for God"; (2) "Denies genuine freedom" e (3)"Over-optimistic about reason".
   Particularmente, acho que as críticas de número 2 e 3 são improcedentes. A "liberdade genuína" que Warburton diz que Spinoza nega é comparada ao "livre arbítrio". Sim, é verdade que o filósofo holandês nega a existência desse último conceito, mas não é a isso que ele chama de "liberdade genuína". Em relação a ser "superotimista sobre a razão" no que concerne à sua capacidade de nos trazer a felicidade, acho que não é bem assim. Se "razão" for tomada só sob o aspecto cognitivo - como é o modo comum de entendê-la -, Spinoza não adere ao grupo de otimistas. Inclusive porque o segundo gênero de conhecimento, que leva justamente o nome dessa faculdade a que Warburton se refere, não é o que permite um acesso adequado à realidade.
   Em relação ao primeiro item, eu mesmo já fui um crítico em relação a isso. Warburton diz: "The God he [Spinoza] describes is so different from God of orthodox Christianity and Judaism, that is scarcely merits the name 'God' at all." E aí, perguntaríamos: Por que Spinoza não se limitou a falar de "Natureza" e de "Substância"? A minha resposta é que, pensando que o uso que a Teologia/religião fazia de "Deus" era muito "imaginativa", Spinoza usou esse conceito para se opor à superstição de maneira proposital - talvez, até mesmo, provocativa.

quinta-feira, 19 de junho de 2014

A Ética e os "Três Mosqueteiros"


     Pode parecer, mas eu não vou falar da ética contida no livro de Alexandre Dumas.
   Os três mosqueteiros, no caso, é o grupo um de amigos formados por mim, pelo Henrique, pelo Levi e pelo Roberto - bem se vê que, como na estória, os "três" são quatro. Rsss. Esse nosso grupo só tem como objeto de convencimento, não espadas, mas argumentos filosóficos.
    Dessa vez, a nossa discussão foi sobre ética. Como ninguém é de ferro, o "simpósio" ocorreu assistindo a jogos da Copa, regados à cerveja.
    A Filosofia Prática quase sempre povoa nossas discussões, embora a Metafísica também mostre sua cara, às vezes.
   Nossa conversa chegou ao ponto em que, em conjunto, repudiávamos ações de violência cometidas contra mulheres no Oriente. Apesar da obviedade da questão do repúdio à violência, ficamos discutindo sobre como é difícil estabelecer um valor comum, que possa ser colocado como base para todas as sociedades, a fim de que se evite o relativismo no campo moral. Mesmo falar em "vida", para ocupar o papel desse valor fundamental e maior, pode trazer sérias dificuldades, visto que há diversas ocasiões em que se imagina que vale a pena morrer por motivos religiosos, políticos ou sei lá o que mais. Portanto, esses valores seriam anteriores e mais fundamentais do que a própria vida.
   Todos acabávamos aceitando que deveria haver algum valor em nome do qual se pudesse impedir uma mulher de ser apedrejada até a morte, por ter, por exemplo, traído seu marido. No entanto, a parte problemática é sempre ter a adesão do grupo que vive sob uma tábua de valores diferentes daquela que queremos "compartilhar" - para não dizer, honestamente, impor. Minha impressão é de que não é possível, em grande medida, um universalismo moral... nem mesmo no que concerne a valores mais básicos.
    Mas mesmo que haja valores que possam ser compartilhados, há que se discutir se os "outros" a quem serão concedidos direitos que correspondam a esses valores serão todos ou só alguns. 
    Vejamos, por exemplo, o caso das mulheres apedrejadas... ou dos judeus e homossexuais, na época do nazismo. Eles não eram "outros" dignos de direitos. Nesse caso, fica fácil universalizar o valor e o direito, visto que não se comunica à totalidade das pessoas do grupo o acesso a estes valores e direitos.
    Portanto, segundo minha opinião, mais importante do que o valor fundante da sociedade é concordar que esse valor seja comum a todos desta mesma comunidade. 

Dr. Dráuzio Varela e o ateísmo


   Gosto muito do Dr. Dráuzio Varela. Não o conheço pessoalmente. Portanto, minha opinião é baseada exclusivamente no que vejo de suas aparições na televisão. Percebo sempre a seriedade de suas propostas e a serenidade de suas opiniões. Além disso, só mesmo a figura, meio romântica, dele mesmo no livro Carandiru. O fato que gostaria de registrar, no entanto, é o respeito que tenho por ele, não só como médico e como divulgador de ciências médico-biológicas, mas também como ser humano. Muitas vezes, quanto a este último aspecto, ficamos logo imaginando que ele é uma pessoa muito "espiritualizada", ligada a alguma doutrina religiosa. Gostei de ver, então, a resposta que ele deu, em meio a uma entrevista, sobre dois assuntos relativos à religião - principalmente, quanto ao fato de se ter assumido ateu.
    Para quem quiser assistir, está no You Tube https://www.youtube.com/watch?v=uHEHyg3-3P0
   Agradeço ao amigo Aníbal, que, através do seu blog, disponibilizou essa informação, que repasso aqui.

terça-feira, 27 de maio de 2014


   Dia desses, comprei uma versão portuguesa do Tractatus De Intellectus Emendatione. Na verdade, era uma edição bilíngue, latim-português. Gosto muito de ter as publicações em mais de um idioma para cotejar as opções de tradução.
    No caso específico desse escrito de Spinoza, o título já representa um problema. Vemos, por exemplo, "Tratado da Reforma do Entendimento", "Tratado da Emenda do Intelecto", e todas as opções que combinem "Emenda", "Reforma", "Aperfeiçoamento", "Intelecto", "Inteligência" e "Entendimento".
    Certa vez, quando fazia um curso com o professor André Martins, na UFRJ, sobre este escrito, nosso mestre indicou sua preferência por "Tratado da Reforma do Intelecto", se não me falha a memória. Não sei se sua opinião já se modificou. Mas a opção era explicada pelo seguinte: "emenda" parecia alguma coisa que era acrescentada externamente ao original e "inteligência", ainda segundo nosso querido professor, parecia aquilo que distinguia os capazes intelectualmente dos incapazes.
    Obviamente, André estava tratando do uso que nós fazemos desses termos no "nosso" Português. Nisso, acho que, em muito, ele tem razão. Mas, já na época, lembrei da "emenda" que se faz a um projeto de lei, e que, apesar de ser algo aposto ao original, tem o condão de modificar o projeto original, em tese, aperfeiçoando-o. Quanto à "inteligência", um dos aspectos negativos quanto ao termo foi eliminado quando li esta versão portuguesa. Lá constava um pequeno texto, antes do escrito de Spinoza propriamente dito, que falava da inclusão de algumas notas que melhoravam a "inteligência" do livro. Ou seja, "inteligência", ali, é sinônimo de "compreensão" e "entendimento".  
    Portanto, concluímos que há uma confusão entre o agente que entende (o "intelecto", mas também a "inteligência") e o processo de entender (o "entendimento", mas também, novamente, a "inteligência"). Vou pesquisar se, no latim, haveríamos de dar essa questão por encerrada. Mas lembro bem que, no grego, isso é facilmente resolvido. O nous, através do processo de noesis, produz um noema. O poietés, através da poiesis, produz o poiema. Ou seja, o agente poietés, através de um processo de confecção, a poiesis, produz o produto final, o poiema
    Particularmente, gosto do Tratado da Emenda do Intelecto, tanto pelo vínculo direto com o título latino, quanto por achar que "emendar" e "intelecto" correspondem bem ao processo de aperfeiçoar e ao agente do entendimento, que, neste caso, será paciente do processo de aperfeiçoamento.

quinta-feira, 22 de maio de 2014

Mais dois novos amigos


   Queria agradecer ao Antônio Carlos Di Tullio e à Marcela Leite por se juntarem aos "amigos dos amigos". 
   Sejam bem vindos! Qualquer comentário será bem recebido. Portanto, mãos à obra, na construção deste nosso espaço.
   Será que eu registrei que o blog já ultrapassou os cem amigos?! Somos 102, hein, gente!

quarta-feira, 21 de maio de 2014

"Ancient Ethics and Modern Morality"


   Por força da minha pesquisa, acabei esbarrando com o texto que tem o título do post. Trata-se de um escrito da famosa Julia Annas que acaba por desmitificar a crença na imensa distância que existe entre a "ética da Antiguidade" e a "moralidade da Modernidade". 
    A autora vai apresentando o que é tido como diferença radical entre as duas perspectivas, e defende uma minimização do gap entre os dois pontos de vista para cada um dos itens expostos. 
    O texto é muito bom. Pena, entretanto, que não seja tão facilmente obtenível numa pesquisa na net. Mas como eu sei que há os "feras" desse mundo virtual, valeria à pena procurar o texto em algum site gratuito.
    Existe um outro texto com o mesmo título, que pode ser encontrado na Internet Encyclopedia of Philosophy. Apesar de não ser tão bom quanto o da J. Annas, também merece ser lido. Para quem tiver curiosidade, aí vai o link: http://www.iep.utm.edu/anci-mod/

terça-feira, 6 de maio de 2014

"Justiça"

   
   Quando um rapaz foi preso, com uma trava de bicicleta, a um poste, aqui no Rio, abriu-se uma discussão sobre a "barbárie" que estávamos vivendo em nossa sociedade. Diga-se de passagem, discussão absolutamente pertinente e necessária.
    De um lado, aqueles que diziam que, como a Polícia não dava jeito na situação, o povo deveria "tomar as rédeas" da situação e fazer "justiça" com as próprias mãos; de outro, aqueles que, falando em nome dos Direitos Humanos, defendiam que ninguém pode sofrer tal violência.
    De minha parte, sempre defendo que quem tem que fazer justiça são as instituições do Estado. A Polícia tem que prender e investigar e o Judiciário tem que julgar a culpa e determinar a pena de quem se põe à margem da organização social.
   Agora, se a questão era importante quando prenderam um garoto que, segundo tudo indica, era realmente "culpado", o que dizer do espancamento, até a morte, de uma moça que, segundo tudo também indica, era inocente da acusação que lhe foi feita?
   Falo do caso da moça que foi acusada de sequestrar crianças, em São Paulo, e que, arrastada e espancada, veio a falecer. Parece que seu maior "delito" foi ser meio "diferente", o que tem a ver com um transtorno  mental do qual poderia ser portadora.
    Eu nem estou discutindo a questão da pena capital, em relação a qual sou favorável, embora em casos especialíssimos. No entanto, a Justiça - e não a "justiça" -, mesmo que seja tirar a vida de um indivíduo considerado, por exemplo, irrecuperável, tem que ser feita com toda a possibilidade de defesa, ainda que isso torne a responsabilização mais lenta.
    Não sou um sujeito "mórbido", e evito ver imagens de coisas terríveis desnecessariamente. No entanto, fiz questão de acessar os vídeos deste caso, para ter a real dimensão do que é um possível inocente ser massacrado por uma turba irracional e insensível. Vendo as imagens, senti-me como Spinoza querendo sair às ruas com um cartaz onde escrevera "Ultimi barbarorum", quando algo parecido ocorreu com seus amigos, os irmãos De Witt.
    Em vez de "Somos todos macacos", acho que é mais apropriado dizer "Somos todos insensíveis".

   

segunda-feira, 28 de abril de 2014

Mais um amigo!


    Temos mais um amigo dos amigos. Caramba... é o centésimo! Deveria haver um prêmio especial para isso: "Você ganhou um 'não-sei-o-quê', pois é o nosso centésimo amigo!"
   Brincadeiras à parte, seja bem vindo Laércio. Participe à vontade deste nosso blog.
   Grande abraço de todos os outros 99 amigos!

Uma banana para o racismo!


    A imagem do jogador de futebol Daniel Alves comendo uma banana que fora lançada ao seu lado, durante uma partida, foi muito interessante. Tirada de gente inteligente. Em vez de se apequenar com o ato hostil, Daniel deu um tapa com luva de pelica nos bobalhões. Afinal, banana é para se comer mesmo. Aliás, aqui nos trópicos, elas são bastante apreciadas. Eu, particularmente, até hoje, curto uma vitamina de banana com aveia.
   Valeu, Daniel!
   O que não vale mais, no entanto, é essa imbecilidade de "racismo". O termo, em si, já não está correto, visto que só existe uma "raça" entre nós, a "raça humana". As diferentes características étnicas só engrandecem e enriquecem essa nossa "raça".
    Fico pensando o que esses caras aprendem na escola. Sim, porque não estamos falando de gente iletrada. Mesmo um ignorante europeu tem, em média, mais cultura do que nossos estudantes medianos aqui de baixo do Equador.
    Acho que está na hora de parar com a "brincadeira" e punir severamente os clubes cujos torcedores assim procedem. Isso porque, não sendo possível puni-los diretamente - Será que não é mesmo?!?! -, alguém tem que "pagar pelo pato". Depois que os clubes perderem os pontos de uma partida onde isso acontecer, eu duvido muito que os outros torcedores vão deixar esses bobalhões lnaçarem bananas em campo, ou fazer barulho de macacos para ofender quem quer que seja.
    Hoje, no site Globo.com há um artigo bem legal. Segue aí abaixo:

YES, 
QUEREMOS 
BANANAS

POR GUSTAVO POLI
ARTE: CLAUDIO ASSIS E CARLOS LEMOS

Daqui a 45 dias, a Copa do Mundo vai começar no Brasil. Brasil é aquele país da América Latina onde os estádios demoram a ficar prontos, em que quase tudo fica mais caro do que o previsto, onde lutamos contra a corrupção há 500 anos... mas em que ninguém ébranco. Ou não deveria ser. Ninguém é preto - ou não deveria ser. Ninguém é azul, amarelo, verde ou vermelho. Temos todas as cores. Ou deveríamos ter.
E hoje... todos nos chamamos Daniel Alves. Todos temos pele mulata, olhos claros e cabelo pixaim. Todos nascemos na Bahia - com sangue negrobranco e índio a correr pelas veias. E todos comemos a banana metafórica lançada no chão.
Essa banana é o Brasil viajando no tempo e no espaço. Comer o racismo e metaforicamente descomê-lo com a melhor das ironias - é esse o Brasil moleque, o Brasil bailarino - capaz de driblar num espaço de guardanapo, de sambar na cara do velho mundo, capaz de superfaturar estádios, metrôs e refinarias, de produzir mensalões e mensalinhos... mas incapaz... ou quase sempre incapaz de aceitar a intolerância.
A intolerância nos agride mais que a corrupção. No Brasil se fala português com açúcar - escreveu Eça de Queiroz. Somos dóceis, somos ternos - e preferimos ser. Nossos pecados são disfarçados - e é bom que assim seja. Desprezamos o alcagüete mais do que o criminoso. Precisamos de leis para impedir que existam elevadores sociais e de serviço - mas não admitimos a humilhação pública. Não admitimos o lançamento de banana.
Podemos ser a PM subindo o morro, podemos ser o tráfico atirando pra baixo... mas, quase sempre, somos o beijinho no ombro, a mão que afaga aqui e afana ali - mas não a que apedreja.
Vamos comer essa banana como Oswald de Andrade. Comê-la, digeri-la e transformá-la. Hoje somos todos macacos. Eu, você, o Neymar, o político, a presidente, o ministro, o empresário, o trabalhador, o senhor, a senhora, o presidiário, o ator, o ladrão, o policial, o bombeiro, o deputado de direita, o vereador de esquerda, o padeiro, o gari, o motorista, o preto, o branco, o azul, o cor-de-rosa.
Somos todos hélios de la peña - temos olhos azuis e pele negra. Somos todos marcos palmeira, mestiços de olhos castanhos e cabelo enrolado Somos todos preta gil, tais araújo, lázaro ramos. Somos todos giovanna antonelli, fernandas lima, tammy gretchen. A pele que nos habita ou a pele que habitamos não tem paradoxo.
Yes, Braguinha, nós temos banana. E hoje, o que importa é pegar essa banana no chão. E comê-la em vez de lançá-la de volta. É nesse pequeno momento em que dá pra acreditar naquela musiquinha de arquibancada - sou brasileiro... com muito orgulho... com muito amor. Porque é o humor que nos separa - é a alegria que nos permite encarar tudo-isso-que-aí-sempre-esteve.
Daqui a 45 dias, o mundo vem ao Brasil - que por causa de um monte de pretos ebrancos e índios e mestiços chegou a 2014 como o país do futebol. Do futebol, do samba, da caipirinha, de praias lindíssimas e políticos nem tão belos... da corrupção, dos conchavos e doleiros e KKKKs.
E é esse nosso dilema. Com muito orgulho, com muito amor, o brasileiro segue sendo o narciso às avessas, capaz de cuspir em sua própria imagem com propriedade e de se entender com outro brasileiro em apenas uma frase:
- Brasil, né?
É - Brasil... terra onde em se plantando... tudo dá - menos intolerância. De todas as vilezas do mundo, o preconceito é aquele tipo de inimigo fácil de identificar e difícil de derrotar. O rei mais conhecido deste mundo é preto, atende por Édson e nasceu em Minas Gerais. É no altar dele que deposito meu voto e digo aos lançadores de banana:
Mandem mais.
Mandem mais banana.
Mandem que a gente mata no peito e transforma em bananaço. Numa bem-humorada e coletiva banana para todos aqueles que acreditam nessa bobagem de que cor da pele faz diferença.
Em suma - esta república federativa das bananas orgulhosamente agradece. E orgulhosamente reconhece: sim - essa terra tem mil problemas. Mas alguma coisa - alguma coisa a gente tem pra ensinar pra vocês - e não é futebol.
Muito obrigado pela lembrança.
Bem-vindos ao Brasil.

segunda-feira, 14 de abril de 2014

Obras Completas... no Brasil


   Fiquei felicíssimo em saber que teremos a publicação das obras completas de Spinoza no Brasil. É certo que podemos utilizar os textos traduzidos para outros idiomas, como o Inglês, o Francês e até o Espanhol, mas, com o conjunto em Português, fica mais ou menos estabelecido - sendo a tradução de boa qualidade - um vocabulário no nosso idioma todo "articulado", entre as diversas obras.
   A feliz iniciativa foi da Editora Perspectiva, sob a organização de J. Guinsburg, Newton Cunha e Roberto Romano. De antemão, parabenizo a todos eles, incluindo a editora, e agradeço, em nome de todos os spinozanos brasileiros.
    Segundo nos informa a "Nota da Edição", serão produzidos quatro volumes, "o que permite ao leitor maior flexibilidade de escolha, na dependência de um interesse mais amplo ou mais restrito".
    Por enquanto, só encontrei o primeiro volume, que contém o Breve Tratado, Princípios da Filosofia Cartesiana, o Pensamentos Metafísicos, o Tratado da Correção do Intelecto e o Tratado Político - destes, só não tínhamos, em Português, o Princípios da Filosofia Cartesiana -; mas, pelo que entendi, acessando o site da editora, o Volume II também já foi impresso. Este último contém a Correspondência Completa e a primeira biografia do filósofo, escrita por Johannes Colerus. A Correspondência, nós só temos parcial, e A vida de Spinoza, se não me engano, só existe em um dos Cadernos Espinosanos, produzido pelo Grupo de Estudos Espinosanos da USP.
    Teremos, inclusive, o Compêndio de Gramática da Língua Hebraica - que eu só vi, uma vez, em Francês, e nunca mais encontrei novamente.
   Enviei, obviamente, um e-mail à Editora Perspectiva ressaltando a importância da decisão, e agradecendo a publicação.
   No entanto, também fiquei apreensivo com algumas coisas, que sinalizei no mesmo e-mail, submetendo estas questões à reflexão dos senhores organizadores, a fim de melhorar a obra.
    Segue o e-mail que enviei:
    (INÍCIO DO E-MAIL)
   Achei importantíssima a iniciativa de lançar a obra completa de Spinoza aqui no Brasil. O mercado brasileiro já merecia isso, portanto, louvo muito a iniciativa da Perspectiva, estendendo meu cumprimento a J. Guinsburg, Newton Cunha e Roberto Romano. A ideia de lançar a obra em cinco (sic) [SÃO QUATRO, NA VERDADE] volumes, facilitando o manuseio, também é ótima. Parabéns, portanto.
 Comprei o volume I na quarta e pus-me a folhear. Como estudioso de Spinoza, gostaria de fazer, no entanto, algumas ressalvas, que poderiam valer uma reflexão dos senhores.
1) a palavra "Breve", entre parênteses, na capa, sumário e texto me parece dever ser registrada sem os parênteses, afinal, em todo o mundo ele é o KV - o Korte Verhadeling... -, como, inclusive, está registrado no próprio livro dos senhores.
2) visto que a história do KV é muito rica em mistérios, e que existem duas versões do manuscrito em holandês, seria interessante sinalizar que esta é a tradução do 'Manuscrito ..." - imagino que seja a do Manuscrito A, mas valeria a citação, penso.
3) o texto "Acerca desta tradução" explica várias importantes opções de tradução, bem como destaca termos capitais para entendimento da doutrina, mas peca em omitir seguidamente, nas citações à Ética, o local exato do trecho citado. Por exemplo, na página 20, "Ética I, outra Demonstração"... de quê? O correto seria "Ética I, Prop. XI, Outra Demonstração". Há duas outras, onde estão registradas "Ética III, III" e "Ética IV, LII", em que, apesar do mesmo formato, a primeira é de uma definição e a outra de uma proposição.
4) a citação da Definição III, a que me referi acima, está aparentemente truncada. Ela diz "Entendo por afecções aquelas do corpo...". Não seria "Entendo por afetos aquelas afecções do corpo"? Pergunto isso para entender qual será a opção de tradução do volume que conterá a Ética. Se "afecções" for usada de maneira indistinta,  nós, leitores, perderemos grande parte da doutrina spinozana dos afetos.
5) a observação mais importante, no entanto, é esta que faço por último. Há um claro engano de J. Guinsburg e N. Cunha, nesse pequeno texto, quando os mesmos falam que "só agindo virtuosamente pode o homem expressar o LIVRE-ARBÍTRIO ou a liberdade pessoal" (Grifo nosso). Ora, em relação à liberdade, não há o que objetar, mas identificar "liberdade" e "livre-arbítrio" é um pecado que nenhum spinozano pode cometer, sob pena de pôr abaixo toda a construção filosófica spinozana.
Muito agradecido pela obra. Espero que minhas sugestões possam servir, em algum momento. 
    (FIM DO E-MAIL)
     Além do que já escrevi, restou algo por dizer: embora a obra realmente traga alguns textos inéditos no Português do Brasil, há um engano que mereceria reparo por parte da Perspectiva, no que diz respeito ao Breve Tratado. Isto porque, em 2012, a Editora Autêntica publicou um volume bastante bem cuidado, em capa dura, deste texto spinozano. Sobre a questão de A Vida de Spinoza, eu realmente não tenho certeza se foi ou não publicada. Mas se foi, o foi em uma revista de circulação restrita, o que carreia mérito à Editora Perspectiva por disponibilizar o texto para um público mais amplo.
    Muito boa atitude. 

segunda-feira, 7 de abril de 2014

A corrida da minha vida


   Ontem, fui correr a minha primeira - e, quiçá, última - meia-maratona. Gosto de correr mesmo os 10 km, mas tinha como um desafio pessoal, ao menos uma vez, participar de uma meia-maratona. Pois bem, ontem foi o dia. Vinha me preparando, mais ou menos, para isso. O "mais ou menos" fica por conta de uma lesão que tive no quadril, e que, no último mês, só me permitiu treinar na areia. Mas, enfim, missão cumprida. Corri os 21 km... e 97 m, em 2h 11min e 37 s.
    Pronto... já posso me aposentar da carreira de meio-maratonista. Rsss.

quinta-feira, 3 de abril de 2014

Já que o assunto são os amigos...


   Parece que não registrei as boas vindas a duas amigas dos amigos, que são a Adriana Alves e a Sandra. Mil perdões pelo ocorrido. Corrigindo este erro, aqui estão meus efusivos "Sejam bem vindas a este nosso espaço!". Como sempre digo: sintam-se completamente à vontade para participar ativamente. 
   Obrigado pela presença e um abração em cada uma.

Os amigos de Spinoza... Nós, também!


   Hoje, em meio àquela minha leitura errática, estava pesquisando mais sobre o Tractatus De Intellectus Emendatione. O livro mais completo sobre ele, penso, é o Spinoza: the way to wisdom, de Herman De Dijn. Esse livro possui, além da interpretação desse comentador, o texto latino e, ao final, um pequeno estudo sobre a Ética, que, segundo De Dijn, é indispensável para completar o entendimento do tratado.
   Além dessa minha "dica" para quem for estudar o De Intellectus Emendatione, o mais legal foi uma passagem que li, e me fez lembrar imediatamente do blog.
    Lá nas páginas 10 e 11, dizia assim: 
   "The Short Treatise and even the Ethics were written not for the general public but for 'the friends' [...]. The 'friends', of course, were not restricted to the small group around Spinoza asking his guidance in their reading and discussion of his texts. Like Ludwig Wittgenstein, Spinoza undoubtedly thought that he was 'writing for friends who are scattered throughout the corners of the globe' and throughout time".
    Ou seja, os "friends" somos justamente nós, aqui do "Spinoza e amigos". Rsss.

quarta-feira, 2 de abril de 2014

John Mayer


   Eu só conhecia o John Mayer das músicas que tocam no rádio ou televisão... naquele esquema de "música de ocasião", em que a gente mal presta atenção. Por esses dias, entretanto, comprei um CD dele. Gostei tanto, que logo se seguiram mais dois... e, agora, um DVD.
  Uma das letras de que gostei - perfeita para quem tem filhas - é ... "Daughters"... nenhuma surpresa, não é? Rsss
   Vejam só esse trecho:

"Fathers be good to your daughters,
 Daughters will love like you do,
 Girls become lovers who turn into mothers
 So mothers be good to your daughters too"

  
  

Goethe - Ensaios Científicos (3)


    Continuando...
    
   "Quando a alma se apercebe de uma relação como que germinal, cuja harmonia, caso estivesse totalmente desenvolvida, ela não conseguiria ver de modo abrangente ou perceber de uma vez só, chamamos essa impressão de 'sublime' - e esta é a mais nobre que pode caber a uma alma humana.
  Quando divisamos uma relação que, em todo o seu desdobramento, é suficiente para termos uma visão abrangente ou para compreendermos a medida da nossa alma, chamamos a impressão de 'grandiosa'.
     Dissemos acima que todas as coisas existentes e vivas têm sua relação em si próprias. Portanto, a impressão que causam em nós, tanto individualmente quanto em conexão com outras, bastando que essa impressão se origine de sua existência perfeita, nós a chamamos de 'verdadeira'; e caso essa existência seja parcialmente limitada de modo a podermos compreendê-la facilmente, e esteja em tal relação com nossa natureza que apreciemos captá-la, chamamos a coisa de 'bela'.
    O mesmo acontece quando pessoas, de acordo com sua capacidade, dão uma forma de totalidade - seja esta rica ou pobre, como se queira - à conexão entre as coisas, e depois fecham o círculo. Elas considerarão como o mais certo e seguro aquilo em que pensam mais confortavelmente, aquilo em que podem encontrar prazer. Na maioria das vezes, porém, se notará que elas veem com sossegada compaixão outras pessoas que não se contentam tão facilmente e aspiram a buscar e conhecer relações entre coisas divinas e humanas; e em toda oportunidade farão notar, de modo acintosamente modesto, que no 'verdadeiro' encontraram uma certeza que está acima de qualquer comprovação e entendimento. Não cessam de louvar sua invejável calma e alegria interior e indicam a cada um essa felicidade como sendo a meta final. No entanto, como nem são capazes de descobrir claramente por qual caminho chegaram a essa convicção, nem qual é efetivamente o motivo da mesma, e sim falam meramente de certeza como certeza, quem deseja aprender tem pouca confiança nelas, pois tem sempre de ouvir que a alma deveria tornar-se cada vez mais simples, dirigir-se a somente um ponto, esquivar-se de todas as variadas relações embaraçosas; apenas então se poderia encontrar a felicidade num estado que é dádiva voluntária e um dom especial de Deus.
    Ora, segundo nossa maneira de pensar, não gostaríamos de chamar essa limitação um dom, porque uma escassez não pode ser considerada um dom; mas poderíamos considerar, isto sim, como uma graça da natureza o fato de - já que o ser humano é no máximo capaz de alcançar conceitos imperfeitos - ela ter cuidado para este sentir satisfação em sua própria estreiteza."

    Eis aí! Comentários... interpretações... ?
    

terça-feira, 1 de abril de 2014

Goethe - Ensaios Científicos (2)


       Continuando...
    
   "Uma coisa existente e viva não pode ser medida por nenhum meio exterior a ela; caso isso tenha de ocorrer, ela própria deveria fornecer a medida para tal; esta, porém, é altamente espiritual e não pode ser encontrada pelos sentidos; já no caso do círculo a medida do diâmetro não pode ser aplicada à circunferência. Foi assim que se quis medir o ser humano mecanicamente: os pintores tomaram a cabeça como a parte mais distinta para a unidade de medida, mas não se pode empregá-la sem causar pequenas e indizíveis violações no restante dos membros.
    Em cada ser vivo existe o que denominamos partes, porém tão inseparáveis do todo que só podem ser compreendidas nele e com ele. E nem as partes podem ser empregadas como medida do todo, e nem o todo como medida das partes; e assim, conforme dissemos acima, um ser vivo limitado participa da infinitude, ou melhor, tem algo infinito em si - e isto se não quisermos dizer melhor: que não podemos compreender inteiramente o conceito da existência e da perfeição do ser vivo mais limitado, e portanto, do mesmo modo como a imensa totalidade em que são compreendidas todas as existências, ele deveria ser explicado como sendo infinito.
    Existe uma imensa quantidade de coisas das quais nos apercebemos, e suas inter-relações que nossa alma pode captar são extremamente variadas. Almas que possuem uma força interior para expandir-se começam a ordenar a fim de facilitar para si o conhecimento, e começam a adicionar e conectar a fim de alcançar o prazer.
    Portanto, devemos limitar em nossa alma toda existência e perfeição, para que estas se tornem adequadas à nossa natureza e à nossa maneira de pensar; só então afirmaremos compreender algo ou desfrutar dele."

    Mais uma página.

Ainda Delahunty


   É interessante como Delahunty, no livro citado no post anterior, faz críticas a Spinoza, mas, ainda assim, se mostra totalmente "fã" da filosofia do holandês. 
   Primeiro, baseado numa crítica de Jerome Neu, Delahunty apresenta as dificuldades que aparecem ao considerarmos diversas passagens que envolvem a classificação das emoções em ativas e passivas. Ao fechar o item "The passions", na página 236, o comentador escreve: "These four difficulties seem to me to tell, not so much against my reading of Spinoza, as against Spinoza himself". 
   Se isso poderia levar Delahunty a questionar a filosofia spinozana como um todo, não é o que efetivamente acontece. No Capítulo VIII (Freedom and Reason), na página 255, por exemplo, vejamos o que ele diz: "Part IV of the Ethics presents a picture of the life of the Spinozist sage, the 'free man'. [...] The picture we are given is as beautiful and as impressive as anything of its kind in philosophy; it can be compared with Aristotle's study of the 'great-souled man', which it seems intended to rival (Nichomachean Ethics, IV, Section 3)."
   Bonito e admirável, hein!!!

terça-feira, 25 de março de 2014

O "Eu", em Descartes e Spinoza


   Estou com uma sequência de leituras bem "errática". Embora quase sempre versando sobre Spinoza, os textos têm sido lidos de forma fragmentária, conforme a minha pesquisa o determina. Apesar disso ter seu lado ruim, há coisas que aparecem, em meio a essas leituras, que talvez não viessem à lume caso eu estivesse percorrendo linearmente um só livro.
    Desta vez, lia o capítulo "Morality and the Emotions", do livro Spinoza - The Arguments of the Philosophers, de R. J. Delahunty, publicado pela Routledge, quando deparei com uma citação do livro Emotion, Thought and Therapy, de Jerome Neu - o qual, apesar de ter, nunca li. O texto de Delahunty tratava da diferença entre "ações" e "paixões", em Descartes e Spinoza, e dizia o seguinte:  "The dispute is not purely terminological, but reflects deeper metaphysical commitments. Jerome Neu puts the point well". Segue-se a citação ao texto do próprio Neu, que tratará também do "Eu": "For both, it may be said that actions are 'what I do'. But they differ in the notion of 'I' involved. Descartes identifies the person with his thinking element... our soul as opposed to his body. I am my thoughts, but most centrally I am my will, for that alone is totally within my control [...]. So only desires can be actions for mine [...]. Spinoza rejects Descartes' [...] mind-body dualism. Action, as opposed to passion, is still that which depends upon me, that which is ultimately explainable by reference to my nature, but my essence is no longer restricted to... mind. The contrast is no longer between dependence on my soul and dependence on my body, but between explanation by reference to my nature as a person (an individual mind-body) and explanation by reference to causes in the external world".
    A explicação de Neu coloca em destaque justamente o que há de mais inovador em Spinoza, no que concerne ao "eu", que é sua distinção de uma "alma", ou melhor, de uma "mente" separada do corpo. No holandês, o "eu" é o ente que existe, isto é, o indivíduo corpo-mente.

domingo, 23 de março de 2014

Goethe - Ensaios científicos


   Na semana passada, visitando uma livraria pela qual não costumo passar sempre, encontrei um pequeno livro que apresenta uma coletânea de ensaios de Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832), sob o título de "Ensaios Científicos - Uma metodologia para o estudo da natureza". A publicação é das editoras Barany e Ad Verbum, no ano de 2012.
   Até aqui, nada de tão especial; afinal, mesmo crendo naqueles que falam da genialidade de Goethe, o alemão não faz parte de minhas leituras - o que, aliás, reconheço como uma falha da minha formação. Mas... o que há de especial é o conteúdo do primeiro ensaio, "Estudo segundo Spinoza", escrito entre 1884-1885.
    Neste, e nos próximos posts, pretendo transcrever o tal ensaio.
   Começando...
   "O conceito de existência e de perfeição é um único e mesmo conceito; ao seguirmos esse conceito até onde nos é possível, dizemos que estamos pensando o infinito.
   Contudo, o infinito ou a existência completa não pode ser pensada por nós.
    Nós só podemos pensar coisas que sejam ou limitadas em si mesmas ou limitadas por nossa alma. Portanto, temos um conceito do infinito na medida em que conseguimos imaginar haver uma existência completa exterior à capacidade de compreensão de um espírito limitado.
   Não se pode dizer que o infinito tenha partes.
   Todas as existências limitadas estão no infinito, mas não são partes do infinito, e sim participam da infinitude.
   Não podemos imaginar que algo limitado exista por si mesmo, e no entanto tudo existe realmente por si, apesar de os estados estarem tão encadeados que um tem de desenvolver-se do outro, parecendo que uma coisa é produzida por outra, o que de fato não ocorre; em verdade, um ser vivo dá a outro o ensejo de ser e o obriga a existir em determinado momento.
   Toda coisa existente tem, pois, sua existência em si, e também a conformidade segundo a qual ela existe.
   Medir uma coisa é uma ação grosseira que, aplicada a corpos vivos, só pode ser altamente imperfeita".
   Ficamos nessa primeira página, de quatro, da versão que tenho.

quinta-feira, 20 de março de 2014

Aristóteles e Spinoza... novamente


     Eu sempre enxergo grandes aproximações entre a obra de Aristóteles e a de Spinoza. Eu sei que são momentos diferentes, com fundamentos completamente desiguais - em alguns pontos até antagônicos -, mas sempre acabo conseguindo estabelecer vínculos textuais entre as duas filosofias.
   Esses dias consegui comprar o The Philosophy of Spinoza - Unfolding the Latent Process of his Reasoning, de Harry Austryn Wolfson, publicado originalmente em 1934, dividido em dois volumes. Ainda voltarei a falar desse livro aqui. Por enquanto, só quero registrar que o autor faz uma análise das questões peripatéticas, que passam pelo medievo e chegam até Spinoza, e como o nosso filósofo dá conta delas. 
    Portanto, essa conexão que eu sempre enxergo acaba sendo efetivamente apontada por esse eminente comentador, com as devidas indicações textuais. Numa dessas referências, Wolfson tratava do Da Alma, de Aristóteles. 
    Eu só conhecia o livro superficialmente. Já havia lido pedaços dele, de uma versão das Edições 70 - que, surpreendentemente, achei péssima. A começar pela informação da capa, que indicava "Título original: De Anima". Ora, Aristóteles escreveu em latim? Peraí... o Estagirita escreveu o Peri Psyché. Este é o título orginal. Mas isso é obviamente um detalhe menor. A tradução de certos termos, que são conceitos aristotélicos, é que deixam a desejar mesmo.
      Procurei a versão bilíngue da Loeb, mas só consegui encomendar pela internet. Mas acabei achando uma versão em Português que é ótima. Trata-se de Sobre a Alma, com tradução de Ana Maria Lóio, da Universidade de Lisboa, mas com uma adaptação para o Português do Brasil, feita por Luzia Aparecida dos Santos, publicado pela Editora WMF Martins Fontes, em 2013. Embora não seja bilíngue, várias notas indicam os termos gregos originais, permitindo o acompanhamento do conceito em jogo em várias partes do texto. Excelente! Melhor ainda é que o livro é mais barato do que a tradução do Edson Bini - tão questionada pelos especialistas em Filosofia Antiga... o que não é o meu caso.
   Mas vamos aos fatos.
   No meio das leituras, encontrei no site da Stanford Encyclopedia of Philosophy, o artigo Aristotle's Psychology, de Christopher Shields - autor, inclusive, de um "The Routledge Philosophers", do Aristóteles.
    Agora, sim... Vamos ao que interessa. Vejam se a complicadíssima questão da "eternidade da mente", em Spinoza, não é lembrada nessa passagem do artigo, de Shields, cujo título é "The Active Mind of De Anima iii 5":
    "After characterizing the mind (nous) and its activities in De Anima iii 4, Aristotle takes a surprising turn. In De Anima iii 5, he introduces an obscure and hotly disputed subject: the active mind or active intellect (nous poiêtikos). Controversy surrounds almost every aspect of De Anima iii 5, not least because in it Aristotle characterizes the active mind - a topic mentioned nowhere else in his entire corpus - as 'separate and unaffected and unmixed, being in its essence actuality' [...] and then also as 'deathless and everlastin' [...]. This comes as no small surprise to readers of De Anima, because Aristotle had earlier in the same work treated the mind (nous) as but one faculty (dunamis) of the soul (psuchê), and he had contended that the soul as a whole is not separable from the body".
    Podemos ver que Shields indica a surpresa do leitor diante de um tema obscuro e disputado, que é o da "mente ativa", a qual não é afetada, ou seja, não se torna passiva, e que é imortal, durando para sempre. E a surpresa se torna maior por conta da informação anteriormente dada por Aristóteles, na mesma obra, de que a alma, como um todo, não é separável do corpo.
   Em Spinoza, sabemos que, inicialmente, a mente é ideia do corpo - uma espécie de "contrapartida" deste, no Atributo Pensamento. Portanto, em tese, destruído o corpo, a mente também o seria. Mas, a partir da Proposição 20, da Parte V, Spinoza indica que falará da mente sem o corpo, e apresenta a tal questão da parte eterna da mente - composta apenas de ideias adequadas. Além disso, esta parte também não padece, é só ativa. Apesar da "ginástica mental", é bem complicado lidar com o tal "segundo momento da Parte V" da Ética, e da eternidade da mente.