Adorei um texto da Carmita Abdo, colunista de O Globo - publicado neste veículo em 15/11/2014 -, que faz uma interessante reflexão sobre o "abrir os olhos durante o sexo". Pareceu-me tão bem escrito, que compartilho com os amigos. Lá vai, então...
"Quando abrir os olhos, pode chorar
Usar ou não a visão durante o ato sexual - eis uma questão profundamente debatida
Olhos, para que os quero? Para ver, fixar, reconhecer, apreciar, dar aquela piscadinha, arregalar, desviar ou baixar o olhar, lacrimejar, chorar... Também para cerrar as pálpebras, distanciar, meditar, evitar ver, dormir, sonhar.
Com certeza, não há quem não tenha fechado os olhos, por alguns segundos ou o tempo todo, durante um ato sexual.
Em outras palavras, fazer sexo de olhos bem abertos e sem pestanejar não é um comportamento comum. Se os olhos abertos representam uma atitude de alerta, de proteção ou de sentinela, os olhos fechados via de regra denunciam concentração, envolvimento e entrega. Contudo, essa regra também tem exceções.
Aqueles que estão apaixonados fecham os olhos e se abstraem do mundo, privilegiando serem guiados por outras sensações. Como a paixão é cega, tanto faz estar de olhos abertos ou fechados, porque interessa mais sonhar, cheirar, tocar, ouvir e reconhecer o gosto da pessoa, objeto da paixão. A visão é absolutamente dispensável para quem está vivendo um êxtase passional, uma vez que projeta no(a) parceiro(a) o ser idealizado, sem qualquer imperfeição ou necessidade de reparo.
Os céticos não perdem a oportunidade de manifestar o seu descrédito, afirmando que quem transa de olhos fechados assim o faz por não desejar se comprometer: voltada exclusivamente para si própria, sem qualquer intenção de estabelecer vínculo afetivo ou proximidade emocional, essa pessoa se garantiria excluindo a visão, mas mantendo estreito contato corporal com quem exerce sobre ela mera atração física, insuficiente para encher os olhos e o coração.
Já os aficionados pela estética e os obcecados pelo desempenho alegam que o belo, o elegante e o desenvolto merecem ser percebidos e apreciados, de olhos bem abertos, sem que se perca um único detalhe da performance sexual desse Baco ou dessa Afrodite.
Contra tal ideia se insurgem os espiritualistas e os platônicos de plantão, os quais têm em comum entre si o culto e a reverência àquilo que não está ao alcance dos olhos e do físico, pois pertence ao domínio da alma. Para esses importa o que os olhos não conseguem ver.
A ciência, por sua vez, sai em defesa dos olhos bem fechados, confirmando ser esse um mecanismo pelo qual se aguçam os outros sentidos e se abre espaço à imaginação e à fantasia, em prol de estratégias indispensáveis à intensificação do prazer.
Enfim, seja lá qual for o seu perfil (apaixonado, cético, obcecado por academia ou por tudo o que maximiza o desempenho sexual, espiritualista, adepto de Platão ou neurocientista), tente a experiência de fechar os olhos, quando alguém especial acariciar a sua pele e sussurrar palavras doces ou excitantes ao seu ouvido. Tente manter os olhos bem fechados, enquanto ouve aquela música que acalma, ao mesmo tempo em que estimula. Respire, ainda de olhos fechados, o ar perfumado com a fragrância que exala da pele ou dos cabelos de alguém muito querido, cuja proximidade física lhe permite sentir o pulsar de um coração, completa e incrivelmente compassado com o seu.
Permita-se essas sensações e deixe a imaginação fluir. Daí, abra lenta e corajosamente os olhos e “caia na real”. O que a realidade lhe parece, agora? Pior, melhor, apenas diferente ou simplesmente desconcertante?
De olhos bem abertos, não segure o choro, seja ele de surpreendente alegria ou de profunda decepção. Do jeito que for, está valendo. Do seu jeito, agradeça a bênção de poder captar com seus próprios olhos aquilo que seu velho coração já havia visto ou, cauteloso, se negava a enxergar."
Da próxima vez, será que pensaremos em todas essas classificações?