quarta-feira, 17 de junho de 2009

Vinhos e Heidegger

A minha afeição por vinhos começou tardiamente, em relação àquela pela Filosofia. No início, achava que um bom vinho era sempre aquele do qual eu gostava. Aos poucos, fui desenvolvendo um certo senso crítico, que me permitiu perceber que um vinho pode ser tecnicamente apreciado, sem que, no entanto, gostemos dele.
Por que digo isso?
No meu começo filosófico, também selecionava os filósofos de meu interesse de acordo com minha simpatia por eles. Erradamente, por exemplo, fugi da Filosofia Medieval... pela minha "diferença" com o Catolicismo. Ainda bem que me livrei desse preconceito... e hoje, inclusive, é um período que acho muito apaixonante.
Hoje, reconheço que um filósofo (como um vinho) pode ser tecnicamente ótimo, sem que "gostemos" dele. Talvez, essa seja a melhor classificação para o que sinto em relação a Heidegger. Acho sua filosofia tecnicamente desafiadora e de qualidade, mesmo que o ache um "embusteiro" filosófico. Estranho? Mais ou menos! Explico.
Pelo menos no que se refere ao "Heidegger I", acho que sua pretensão era mostrar que toda a tradição metafísica estava errada, fazendo da sua própria metafísica uma correção de rumo, descartando totalmente o que estava posto. Começa por analisar o ente especial, que dá acesso ao "Ser", que é o homem. E... não passa daí. Fica só na análise do ser-humano - o tal Dasein. É verdade que sua abordagem é "densa" e impressiona. Mas, por trás de tudo o que disse, ecoava a voz dos metafísicos da tradição. A troca de palavras e a invenção de novas expressões, equivalendo a conceitos aproximados já conhecidos, é um artifício usado a todo momento. O que não me parece honesto.
Outra coisa. Até que ponto as características ontológicas, que estruturam o modo de ser específico do homem, de um ponto de vista não factual, não passam de meras estruturas psicológicas? É muito bonito falar de uma "angústia ontológica", mas é difícil apartá-la da "angústia psicológica". Aliás, esta última depende fundamentalmente de um eu, de uma consciência, a qual magicamente desaparece da filosofia heideggeriana, como forma de corrigir os enganos anteriores. E Heidegger ainda atacará Sartre por destruir seu trabalho, na "interpretação" sartreana do pensamento heideggeriano de Ser e tempo, "O Ser e o Nada", quando volta a incluir um "eu" na Filosofia. Acho, no mínimo, curioso fazer uma filosofia da existência, que é uma filosofia totalmente voltada para o homem, sem haver nela a análise de um "sujeito"!
De qualquer forma... como um vinho que eu não beberia num fim de semana sozinho, "degustemos" Heidegger em conjunto, admirando os quesitos técnicos que fazem parte do seu filosofar. E, ao final da "garrafa", descobriremos que ele é "mais um" ótimo vinho-metafísico, mas que, ao contrário da opinião de Heidegger, não substitui todos os outros que gostamos de apreciar.

Um comentário:

Júlio disse...

Ricardo, gostei das comparações de Heidegger com um 'vinho-metafísico'. Eu me coloca à disposição para 'degustar' esse vinho com vc.
Mas não pude deixar de sentir o golpe de ver vc chamar o 'Schumacher da filosofia' de 'embusteiro'. Pelo menos vc falou em uma filosofia 'desafiadora e de qualidade'.
Eu concordo com vc qdo diz que a metafísica de Heidegger é 'mais uma'. Imagino que ele acabou percebendo o qto seria difícil 'matar' a tradição metafísica ocidental e acabou deixando a questão do Ser como um pano de fundo, sempre presente, mas sem o destaque pretendido no momento inicial.
De qq forma, a 'analítica do Dasein' é coisa de um filósofo que não poderia deixar de marcar a História da filosofia.
Eu topo 'degustar' esse vinho-metafísico entre outros, como Spinoza, na companhia dos amigos do blog.
Vou preparar minha taça!
Só não pode ser vendo jogo do Fla, que tá muito ruim... Cinco! Ninguém merece!
SDS