segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Um tesouro spinozano

Os últimos posts têm falado das sensações. Seguindo esta linha, este post poderia ter como título "Uma dica para a visão", dizendo respeito à leitura.
Vou contar, então, uma estorinha.
Por conta da indicação do lançamento do livro de Amauri Ferreira, fui tentar comprar o livro, chegando à Estante Virtual. Percebi que a busca se dava pelo termo "Spinoza", e que havia outros resultados nessa busca.
Fiquei surpreso, primeiramente, com a publicação "O encontro de Aristóteles e Spinoza", e mais ainda em saber que este livro estava disponível aqui no Rio de Janeiro. Visto que sou admirador de ambos os filósofos, fui em busca da publicação.
Outro título que surgiu foi "O método racionalista-histórico em Spinoza". A pequena descrição causou-me interesse na aquisição do mesmo.
Fui buscar ambos os títulos. E consegui adquiri-los... além de outros, como faço costumeiramente.
O primeiro, "O encontro de Aristóteles e Spinoza", de Orlando Mara de Barros, mostrou-se uma decepção. O autor - filósofo, jurista, poeta, orador, conferencista, professor... e, talvez justamente por tudo isso, não é nada especificamente -, parece-me, não entendeu corretamente o pensamento de Spinoza. Comecei a ler o livro. Aristóteles pareceu muito mais bem entendido que Spinoza. E o pensamento do holandês foi reduzido de tal forma que ficou mutilado. E, mutilado, foi deturpado. O livro, portanto, não foi lido até o final.
O segundo - e menos importante, no primeiro momento - livro, demonstrou-se "maravilhoso".
O autor é um professor brasileiro. O prefácio é de Miguel Reale, que destaca que o autor, Alcantara Nogueira, "se achegou à obra de Spinoza com o coeficiente de simpatia requerido por toda a exegese, pois esta jamais se reduz a um frio remoer de textos". Ao longo do livro - do qual estou apenas no início -, Alcantara Nogueira mostra-se um apaixonado por Spinoza, que entende não só pontos específicos da doutrina spinozana, mas que percebe o seu "todo".
Alcantara Nogueira avalia vários opositores de Spinoza, combatendo os enganos de seus pontos de vista, explicando a doutrina spinozana de uma maneira muito rica.
Estou bem no início do livro, mas percebo que Alcantara Nogueira se apaixonou pelo pensamento spinozano - tal como eu, mas com muito mais "bagagem" filosófica, obviamente.
Prometo vários posts - de muita qualidade... por conta do próprio livro - sobre "O método racionalista-histórico em Spinoza".
Para quem gostar do nosso querido holandês, vale a pena a leitura... e, resumidamente, os posts desse blog.

10 comentários:

Clara Maria disse...

Estou chateada...o senhor voltou a esquecer...Luso-holandês.
Ah, descobri que outra brasileira muito famosa aí e aqui, Daniela Mercury- também é luso-barsileira...o pai era de de Braga. mas se esta é só meia lusa o seu querido Spinoza era totalmente luso holandês, porque ambos os pais eram portugueses e só por estupidez do nosso rei é que ele nasceu na Holanda.
Afe!!!

Maria

Cleitonzm disse...

Oi, Ricardo. Obrigado por deixar um comentário às cartas de Malebranche. O que vc falou sobre ele ter lido Espinosa tem muito sentido. Também li o diálogo citado por ti e lembro da nota, tanto que faço referência a ela na tradução de uma das cartas que ainda não foram postadas.Teu comentário me deu estímulo para temrina ro trabalho de tradução, passei a noite a corrigir o texto do Malebranche e a pequena, quase nula, introdução que fiz a ele. Vou mandar para uma revista agora, rsrss. Sobre o teu post: também li o livro do Alcantara Nogueira, faz muito tempo, mas lembro que encontrei alguns problemas nele. Quem sabe não seja a hora de relê-lo!? Abraços

Maria disse...

Senhor Ricardo!!!
Antes demais queria dar as boas vindas ao novo amigo do blog-Cleiton. Que seus comentários sobre Espinosa(ou sobre outro qualquer assunto) enriqueçam este blog.
Depois de ler o comentáriode Cleiton fui pesquisar um pouco , enquanto aqui em casa ainda se sente o silêncio. Reparei que na revista "Conatus" vem um artigo sobre a nossa Maria Luísa. Tenho quase a certeza que conhece mas...
http://www.benedictusdespinoza.pro.br/115005/115089.html
Meu dia hoje vai ser muito, muito ocupado, mas certamente que à noite ainda terei tempo de espreitar para ler o que o senhor e seus amigos escreveram. Boas leituras.

Prof. Guilherme Fauque disse...

Vamos conferir este livro! Mandei buscar um exemplar ontem a noite. Se tu diz que é bom, acredito.

Ricardo disse...

Maria:
Não posso deixar de registrar o quanto seu "retorno" me deixa feliz. Como viste, houve até manifestação para tua volta.
Mudando de assunto.
Voltarei a registrar, por carinho a ti e aos portugueses o "luso", acompanhando o "holandês", quando me referir à nacionalidade de Spinoza.
Sobre os "Cadernos Spinozanos" - que citaste em post anterior -, tenho vários deles - em formato de livro mesmo - e sempre faço uma busca procurando artigos de maior interesse, os quais, obviamente, imprimo e guardo.
Em relação à revista Conatus, já vi artigos da tão cara Maria Luísa, mas não sei se este do qual falas eu já conheço. Irei dar uma espiada.
Novidade... e muita, foi saber que existem comunidades spinozanas no Orkut. Tu dizeres que elas podem não ter conteúdo suficiente para mim é o problemático. Talvez, isso caísse melhor para nossos amigos que visitam o blog. Escolherei uma e, provavelmente, começarei a acompanhar.
Sei que teu tempo é cheio de afazeres, mas tua presença é sempre importante.

Ricardo disse...

Cleiton:
Foi um prazer acessar o teu blog. Fiquei lamentando apenas os poucos posts. Mas já vi que vais nos premiar com mais pensamentos.
O mais estimulante no blog é justamente perceber que nossas ideias têm ecos.
No que depender de mim, sabe que terás um leitor assíduo.
Inclusive, já li a segunda carta e colocarei um comentário em breve.
Sobre o livro do Alcantara, nem tinha conhecimento da existência dele - e olha que minha coleção spinozana contém mais de cinquenta livros.
Não sei o que virá pela frente - e acredito nas tuas ressalvas quanto a determinados problemas -, mas o começo demonstra um livro de alguém preocupado em entender o sistema spinozano e a confrontá-lo com ideias contrárias. E isso, eu acho muito saudável.
Eu, por exemplo, tenho aqui um livro do P-F. Moreau - tão conhecido comentador spinozano - só falando dos problemas do sistema de Spinoza. A bem da verdade, não li o livro. Mas já travei conhecimento com alguns desses problemas em outro livro dele "Espinosa e o espinosismo". O que fica de mais importante é identificar limitações que podem ser apenas de interpretação, mas que podem pertencer ao sistema em si.
Eu, por exemplo, acho que o entendimento kantiano sobre o modo de conhecer humano é bastante pertinente.
Aliás, pergunto a ti se achas que o terceiro gênero de conhecimento poderia, de algum modo, se aproximar de uma percepção do númeno.
Obrigado pela visita. Espero que colabores para que o blog de um apaixonado por Spinoza ganhe em conteúdo.

Ricardo disse...

Caro Guilherme:
Estou me sentindo com mais peso sobre os ombros. Afinal, "chancelar" um livro para alguém que se dedica a Spinoza como você não é coisa fácil.
De qualquer forma, como eu disse, estou muito no princípio, mas achei que a proposta é muito boa e que o autor é gabaritado para empreender a tarefa a que se propôs.
Ah... tenho um comentário sobre o Ghiraldelli para fazer. Acho que você concordará comigo. Escrevo depois.

Cleitonzm disse...

Oi, Ricardo. Como pude constatar teu blog é bastante movimentado, muitos posts e muitos comentários, parabéns! Eu, infelizmente, não ando com muito tempo para postar mais cosias no meu blog, pois estou em vias de conclusão do mestrado. Estou fazendo uma dissertação sobre a finitude em Espinosa, tá muito difícil de temrinar!
Quanto à comparação entre o númeno e o terceiro gênero de conhecimento, penso que há similaridade somente se entendermos o númeno como um conceito positivo, ou seja, se entendermos que ele se refere a algo que, de fato, exista. Não sei até que ponto é válida esse tipo de entendimento acerca desse conceito kantiano. Tenho a impressão que se trata mais de um conceito negativo: nós postulamos a existência de uma coisa em si somente pelo fato de nos movermos no campo fenomênico. Ou seja, a consciência dos fenômenos nos leva a afirmar que eles são causados por alguma coisa que existe para além deles, mas fazer isso, lembre-se, é ultrapassar os limites possíveis de aplicação da causalidade como categoria do entendimento: a causalidade é uma categoria do entendimento que unifica o múltiplo fenomênico. Assim, não podemos postular que há algo-em-si que seja a causa dos fenômenos, essas postulações só acontecem por causa das ilusões engendradas pela dialética da razão.

Cleitonzm disse...

O terceiro gênero de conhecimento, por sua vez, se refere à capacidade do intelecto de “formar as idéias absolutamente”. Por outras palavras, quando o intelecto produz idéias adequadas. Que são idéias completas, pois revelam a causa eficiente interna ou exeterna, esse é o caso da idéia de quantidade substancial. Podemos conhecer adequadamente os modos, mas isso não significa abandonar ou validar o conhecimento imaginativo. Enquanto seres corporais que somos, sempre nos moveremos no campo das imagens, mesmo conseguindo produzir conhecimentos adequados. Mas as imagens, como bem sabes, nada revelam das coisas: a imaginação revela muito mais o imaginante do que o imaginado. Porém, a despeito disso, Espinosa não renega a existência de relações causais entre as coisas, pelo contrário, ele ira sustentar a existência dessas relações por intermédio da idéia de Deus como causa sui, imanente e primeira.
Se admitirmos que o conceito de coisa-em-si é negativo, não poderemos compará-lo ao que é conhecido pelo terceiro gênero de conhecimento, pois esse nos dá a conhecer o Ser. Além disso, para Espinosa a contraposição númeno/fenômeno não faz sentido. Essa cisão só é pertinente para filosofias da representação. Um gênero de conhecimento não anula o outro, o sábio imagina. A imaginação só é problemática quando não reconhecemos que se trata de imaginação. O que nos revela a imaginação? Um conhecimento confuso que apresenta o mundo como se esse fosse constituído por substâncias e quantidades discretas que agem de maneira misteriosa e aleatória. O que nos revela o terceiro gênero? Que existe a substância e as afecções desta. Os modos são pensados como séries de cadeias complexas e infinitas que se entrecruzam, assim, não faz muito sentido pensar que há representação de um lado e a coisa- em- si de outro. A cisão entre mim e as demais coisas não é facilmente demarcável, nem mesmo meu próprio corpo eu posso conhecer de modo independente da relação que ele estabelece com as coisas: a alma humana não conhece o próprio corpo humano nem sabe que este existe, senão pelas idéias das afecções de que o corpo é afetado (EIIP19). E será essa união que me será revela pelo terceiro gênero. Basta lembrarmos que, no TIE, o quarto modo de percepção é aquele que nos auxilia na conquista do sumo Bem, que é o conhecimento da união que nossa mente tem com toda a Natureza.

Cleitonzm disse...

Se se tratar de um conceito positivo, podemos dizer que o terceiro gênero de conhecimento nos mostra a coisa- em- si. Se por coisa-em-si não entendermos o conhecimento que revela a adequação da imagem que temos das coisas com as próprias coisas. Do ponto de vista da filosofia espinosana, a filosofia kantiana não é possível.
Desculpe pela resposta confusa, mas é que escrevi depois de passar uma noite inteira trabalhando um texto (To dando uma de Malebranche, rsrsr) . Espero que eu tenha me feito entender, caso isso não ocorra sigamos a discussão. Será muito bom conseguir entender melhor a filosofia de Espinosa por meio de um debate construtivo. Tenho a impressão de que ele é um dos autores mais difíceis, seus conceitos sempre me escapam.