sábado, 12 de setembro de 2009

Cadernos de Saramago

Depois de ter postado algo sobre os cadernos de Gramsci, faço o mesmo em relação aos de Saramago.
Numa de minhas recentes andanças pelas livrarias, esbarrei com o livro "O Caderno", de Saramago. Até então, não o conhecia. Dei uma folheada e vi que se trata de uma reunião dos textos postados no blog do autor português, entre setembro de 2008 e março de 2009. Segundo a sinopse da Livraria Saraiva, "é mais do que uma coletânea de crônicas jornalísticas. É um relato de vida, um diário intelectual e sentimental do único prêmio Nobel de literatura em língua portuguesa".
Segue, como aperitivo, o post "Ateus", desse fantástico escritor - que no blog é completamente "ortodoxo", em relação à pontuação.

"Enfrentemos os factos. Há anos (muitos já), o famoso teólogo suíço Hans Küng escreveu esta verdade: “As religiões nunca serviram para aproximar os seres humanos uns dos outros”. Jamais se disse nada tão verdadeiro. Aqui não se nega (seria absurdo pensá-lo) o direito a adoptar cada um a religião que mais lhe apeteça, desde as mais conhecidas às menos frequentadas, a seguir os seus preceitos ou dogmas (quando os haja), nem sequer se questiona o recurso à fé enquanto justificação suprema e, por definição (como por demais sabemos), cerrada ao raciocínio mais elementar. É mesmo possível que a fé remova montanhas, não há informação de que tal tenha acontecido alguma vez, mas isso nada prova, dado que Deus nunca se dispôs a experimentar os seus poderes nesse tipo de operação geológica. O que, sim, sabemos é que as religiões, não só não aproximam os seres humanos, como vivem, elas, em estado de permanente inimizade mútua, apesar de todas as arengas pseudo-ecuménicas que as conveniências de uns e outros considerem proveitosas por ocasionais e passageiras razões de ordem táctica. As coisas são assim desde que o mundo é mundo e não se vê nenhum caminho por onde possam vir a mudar. Salvo a óbvia ideia de que o planeta seria muito mais pacífico se todos fôssemos ateus. Claro que, sendo a natureza humana isto que é, não nos faltariam outros motivos para todos os desacordos possíveis e imagináveis, mas ficaríamos livres dessa ideia infantil e ridícula de crer que o nosso deus é o melhor de quantos deuses andam por aí e de que o paraíso que nos espera é um hotel de cinco estrelas. E mais, creio que reinventaríamos a filosofia."

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