domingo, 13 de setembro de 2009

Pensar vs. Desejar

Ainda no último número da revista "Filosofia - Conhecimento Prático" - e eu nem ganhei nada para fazer merchandising da publicação! Rsss - apareceu um texto inspirador, cujo título era "O homem pensante vs. o homem desejante", de autoria de José Valmir Dantas de Andrade.
O texto, como não poderia deixar de ocorrer num tema dessa natureza, acaba por falar muito de Freud, o pai da Psicanálise. Mas obviamente o faz através de um paralelo com o campo filosófico.
O texto se inicia com diversas demonstrações emotivas diante de fatos do nosso quotidiano. Diz, então: "Esta força 'dominadora e incontrolável' que impulsiona ações, sensações, comportamentos e sintomas e que toma de assalto a humanidade, cotidianamente, possui um determinismo para além de qualquer racionalização possível. Foi investigando essa força que Sigmund Freud chocou o mundo ao declarar que o homem não era senhor da sua própria consciência". Mas o autor da matéria adverte: "Se formos pesquisar as origens do conceito de inconsciente, veremos que ele é muito anterior à psicanálise. Filósofos, há muito, já o haviam descrito. Mas foi Freud que forjou 'O Inconsciente' - com I maiúsculo - e deu a ele lugar específico e privilegiado no psiquismo humano".
Já comentei em outra oportunidade que uma diferença marcante entre a maior parte das filosofias e a psicanálise freudiana é que, enquanto as primeiras admitem a possibilidade de uma vitória sobre as paixões-inconsciente, através da ação da razão-consciente; a Psicanálise não vislumbra essa possibilidade.
O texto diz que "Schopenhauer já havia defendido a supremacia do instinto sobre a razão humana. O filósofo desenvolveu o conceito com base em reflexões teóricas; Freud, a partir da observação empírica de seus pacientes".
Eu até acho que Spinoza já apresentava uma certa independência das paixões (de certa forma, uma instância inconsciente) em relação à razão (mais aproximada ao consciente); mas é inegável que ainda há, na sua filosofia, uma possibilidade de "transformação" desse estado "passivo" em uma forma de "atividade" - no qual o papel da razão é importante.
É verdade, entretanto, que essa "transformação" não se reduz a um mero controle das paixões pela razão, como no pensamento, menos elaborado, de outros filósofos.
Mas, voltando à matéria.
"Nenhum homem, por mais genial que seja, desenvolve seu pensamento à margem do saber coletivo... Com Freud, certamente não foi diferente. Antes dele, filósofos, pensadores, escritores e poetas intuíram ideias para conceitos que o pai da Psicanálise interpretou com genialidade visionária e abordou sob perpectivas inéditas".
Apesar dessa afirmação, consta no texto a negativa, sempre repetida por Freud, a influência da Filosofia, principalmente a de Schopenhauer: "Em seu estudo autobiográfico, Freud procura esclarecer que o pensamento filosófico não teria tido influência direta na formulação da teoria psicanalítica. 'O alto grau em que a Psicanálise coincide com a filosofia de Schopenhauer não deve ser remetido à minha familiaridade com seus ensinamentos. Li Schopenhauer muito tarde em minha vida'". Até para confirmar esse conhecimento tardio do filósofo alemão, é explicado no texto que "Em suas últimas obras, Freud fez diversas referências à ênfase que Schopenhauer dava à sexualidade, apesar de não nominá-lo diretamente".
Mas, realmente, não dá para deixar de fazer uma comparação automática entre a "Vontade Cega" de Schopenhauer e o "Inconsciente" de Freud. Além disso, o fato de a "Vontade" procurar a perpetuação, valendo-se dos indivíduos, através, por exemplo, da procriação - ou seja, do sexo -, remete-nos claramente à "pulsão de vida" freudiana.
Além disso, sabemos que Freud fora companheiro de Husserl nas aulas de Filosofia de Franz Brentano. E se essas aulas possibilitaram a Husserl criar uma filosofia totalmente nova, por que não fariam o mesmo com Freud (que, particularmente, também considero um teórico da Filosofia)?
Uma coisa interessante, aliás, no que se refere a sexo, que vi - segundo lembro, em Sponville - é que dificilmente se deseja simplesmente um "corpo"... normalmente, o que se deseja é o "desejo dos outros". Por exemplo, não se quer apenas o corpo de "qualquer mulher", mas, em especial, o corpo daquela mulher que é objeto de desejo de outros "desejantes"... a mulher que sai na Playboy, ou a mulher "exuberante " da boite, etc. Desta forma, Freud estaria mais perto da "verdade" do sexo, que deseja uma "representação", do que Schopenhauer, para quem bastaria que a "Vontade" se lançasse à reprodução... e, com isso, à sua própria perpetuação.
Uma observação interessante feita pelo autor, que lembra um pouco as críticas de Marx à Filosofia, é a de que: "O sofrimente humano, o inconsciente, a sexualidade, as pulsões, todos já haviam sido tema de preocupação e de investigação filosófica. Mas Freud cruzou a fronteira do 'pensar o sofrimento' para 'tratar o sofrimento' . Os filósofos se limitaram a formular conceitos".
A matéria se encerra assim:
"A Psicanálise tirou do homem o centro de sua consciência e colocou-o como coadjuvante de uma cena em que o irracional (desejo) prepondera... Freud falou da existência de um 'estranho' que habita em todos nós. A partir desse momento, o inconsciente deixa de ser somente uma pequena porção indecifrável da consciência, deixa de ser uma descrição filosófica e assume o comando de uma realidade psíquica em que o homem não é mais o dono de si mesmo".
Por último, eu gostaria de ponderar sobre essa exclusão total da instância inconsciente. A mim parece que ela faz parte de um "conjunto", a psiquê ou o psiquismo, que trabalha "relacionalmente". Se é verdade, por exemplo, que não se deseja apenas "qualquer coisa", mas sim o "objeto de desejo de outros desejantes", há uma parte consciente nesse desejo, que é o que se volta intencionalmente, após um juízo de valores, para o tal "objeto do desejo dos outros".
O que vários filósofos e Freud disseram é que o inconsciente "motiva" o consciente, mas será que essa relação não é ainda mais complexa, havendo uma "mão dupla" nessa motivação? Eu acho que sim!

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