quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Sören Kierkegaard e Freud

No capítulo "A existência individual", do livro de Benedito Nunes que venho citando nos últimos posts, o autor descreve a vida subjetiva segundo a visão do dinamarquês Kierkegaard.
Embora eu não goste de quem filosofa a partir de um ponto de vista que impede uma reflexão totalmente livre, como é o caso dos filósofos envolvidos pela teologia - especificamente de Kierkegaard e Pascal, que aparecem citados no texto -, não pude deixar de admirar o que me parece ser uma antecipação kierkegaardiana do Inconsciente freudiano.
Entretanto, da mesma maneira que sempre observo em relação a outro filósofo da Existência, Heidegger, acho que os efeitos desse Inconsciente psicológico foram isolados e tomados como "entidades" ontológicas. Parece-me, concordando mais com Freud, portanto, que o que é estruturante no ser humano é o próprio Inconsciente, e não seus efeitos sobre a consciência.
De qualquer forma, vamos ao texto. Dividi-lo-ei em duas partes. Na primeira, um certo "desconforto". Na segunda, uma certa "concordância".
O começo "incomoda" muito... e acho que, naturalmente, tendemos a discordar dele.
"As características essenciais da vida subjetiva, segundo Kierkegaard, cabem numa expressão: consciência infeliz. O homem é desejo, inquietude e sofrimento. Tudo isso faz parte da condição humana, fraca e mortal, que Pascal descreveu em seus Pensamentos. Do ponto de vista pascalino, a infelicidade não é um estado passageiro. Trata-se de um desequilíbrio que é intrínseco e constitutivo da natureza humana". Causa um arrepio a um spinozano ler que a "infelicidade é [um estado] intrínseco e constitutivo da natureza humana".
Mas fica difícil de não concordar com a parte seguinte, ainda mais quando se pensa o desejo e o Inconsciente conforme Freud.
"Dividido, em conflito consigo mesmo, movido pela inquietação que o devora, entregue à ação, disperso nos objetos exteriores, ele [o ser humano] vive mais do desejo do que da satisfação; e esse movimento, que deveria satisfazê-lo, e completá-lo, e que só faz intensificar a inquietude e o desejo, é o conteúdo do desespero, categoria da existência humana, para Kierkegaard".
Além disso, como se vê na parte seguinte, a impossibilidade de "extinção" dessa instância - quer pela razão, como pretenderam racionalistas, quer pela vontade, como pretenderam voluntaristas - é muito bem intuída pelo dinamarquês, o que ficaria ainda mais claro depois das teorizações freudianas sobre o assunto.
"O desespero humano (1849) exemplifica bem que a consciência infeliz não pode ser ultrapassada, isto é, ela não pode, por si mesma, sintetizar - dialeticamente falando - as suas contradições, porque o homem, 'síntese do infinito e do finito, do temporal e do eterno, de liberdade e de necessidade, é, em suma, uma síntese'".
O que me parece curioso, entretanto, é o reconhecimento, por parte de Kierkegaard, de uma instância que não pode ser "ultrapassada", e que é "estruturante", ao lado de uma "decisão" - conforme coloquei em post anterior - que permite a passagem entre os diversos estágios da existência.
Depois pretendo discutir esse conteúdo psicológico, que se pretende ontológico para os filósofos da Existência, no que diz respeito ao "desespero" e à "angústia".

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